Como o plano B (nunca sair da nave) seria capaz de entediar até as ovelhas, Roddenberry, desesperado, decidiu resgatar a ideia do teletransporte do filme "A Mosca", de 1958. Ninguém acreditava que isso funcionaria muito bem, mas era o que tinham à mão. No entanto, o famoso "Teletransporte-me, Scotty" tornou-se uma das frases mais icônicas da ficção científica. Mas quanto disso é ciência e quanto é ficção? A resposta ganhou um Prêmio Nobel.
A física quântica é um campo tão fascinante quanto complexo. Simplificando (e usando um exemplo clichê), estamos falando de pessoas que discutem se um gato está vivo ou morto; quando a essência da abordagem científica seria abrir a caixa e verificá-lo diretamente. No entanto, é uma disciplina que promete mudar tudo. Para começar... nossa ideia do que é teletransporte.
Em 1993, um grupo de físicos teorizou a única tecnologia de teletransporte à qual temos acesso (pelo menos por agora): a teletransportação quântica. Um fenômeno que permite a transmissão do estado quântico de certas partículas para outras partículas a uma certa distância.
A primeira decepção foi clara. O teletransporte quântico transmite informações, mas não matéria: em termos simples, não seria capaz de enviar cada átomo de nosso corpo para outro lugar. Esqueça isso. O que poderíamos enviar através deste sistema é o "estado quântico"; um tipo de blueprint exato de nosso corpo; de tal forma que, embora os átomos que comporão o novo corpo já devessem estar no destino, esta tecnologia os organizaria para recriar o corpo original.
A segunda decepção é que também não estamos falando de algo instantâneo. No final das contas, não precisamos enviar a matéria, mas a quantidade de informação a ser enviada é tão vasta que, não importa a largura de banda disponível, o processo de teletransporte levaria muito tempo. No entanto, essa é a única maneira de transferir informações quânticas de um sistema para outro sem perder nenhuma parte dela. Mas, em 1993, era apenas uma teoria.
Felizmente, Anton Zeilinger decidiu provar isso. Para isso, teve que trabalhar com partículas entrelaçadas. O entrelaçamento quântico pode ser resumido pelo fato de que existem partículas em um estado quântico compartilhado, independentemente da distância entre elas. Zeilinger percebeu (e demonstrou experimentalmente) que "coisas interessantes acontecem quando as partículas de um par entrelaçado viajam em direções opostas e uma delas encontra uma terceira partícula". Ao se entrelaçar com uma das duas, "a terceira partícula perde sua identidade, mas suas propriedades originais são transferidas para a partícula solitária do par original". Ou seja, ocorre teletransporte (em termos quânticos).
Um ano depois, Zeilinger e sua equipe mostraram que, ao usar dois pares entrelaçados, as partículas solitárias de cada par ficavam entrelaçadas entre si (mesmo que nunca tivessem estado próximas). Este é um avanço crucial para várias aplicações quânticas, pois permite o uso de fótons e fibras ópticas sem perder o sinal; mas, acima de tudo, é a prova de que a realidade é construída por fios invisíveis que dão consistência a um mundo que vai muito além do físico. Essa confirmação rendeu o Prêmio Nobel de Física de 2022.
Se pensarmos por um segundo, a primeira revolução quântica nos trouxe transistores e lasers. O emocionante é que todas essas novas ideias e tecnologias estão iniciando a segunda revolução, e as possibilidades desses sistemas de partículas entrelaçadas são potencialmente infinitas. Que alegria viver no futuro.