Infelizmente o Brasil ainda faz parte do grupo de países que mais mata LGBTQIA+. De acordo com as informações divulgadas no relatório do Grupo Gay da Bahia, 329 pessoas foram vítimas de homotransfobia em 2019, o que equivale a uma morte a cada 26 horas. Apesar do triste panorama, o número ainda representa uma queda, já que em 2018 foram 420 mortes e em 2017, 445. Apesar do risco que é se assumir LGBT no país, essa ainda é a melhor alternativa para muitos. O Purebreak reuniu 18 pessoas que fazem parte dessa comunidade para falar sobre como a vida "fora do armário" também pode ser libertadora. O medo sempre vai existir, mas a resistência surge toda vez que um LGBT para de temer ser quem realmente é.
Valentina Ferreira
"Eu sempre fui uma pessoa que me sentia diferente das outras que conhecia. Quando era criança sentia que não me encaixava com as outras que convivia, como se tivesse fora da caixa. Minha adolescência como uma criança teoricamente cisgenero e hétero foi muito confusa, pois foi quando entendi que gostava de rapazes, contei pra minha família sobre e foi bem complicado no começo. Quando aconteceu achava que era isso, era um rapaz gay, mas durante o tempo essa inquietação não passou. Tive diversos problemas com autoestima e adequação com meu corpo e imagem, até que entendi que era uma pessoa trans. Quando percebi foi um momento de muito medo, medo do que as pessoas iam achar, medo de não ser aceita pela minha família e sociedade, medo de não ter espaço no mercado de trabalho. Foram tempos de preparo emocional, depressão e terapia, até que aceitei quem eu sou e me assumi como uma mulher transexual. Esse foi um dos momentos mais libertadores da minha vida, pois parecia que eu estava afogando e finalmente estava conseguindo chegar a superfície para respirar. Foi um processo intenso e doloroso, mas quando finalmente criei coragem e força para assumir quem eu sou, foi extremamente libertador. Não há coisa melhor do que ser verdadeira com você mesma ao ponto de ser real com quem você é. Hoje vivo feliz e livre, então meu conselho pra quem está passando por esse processo é: seja você! Pois ninguém tem o direito de apagar quem você é. #TransIsBeautiful."
Lucas Gomes/Cleo Azure
"Embora eu tenha sido uma criança viada, só me assumi aos 21 anos. A autoaceitação, além de ser o primeiro passo, é também o mais difícil. Ser gay e drag queen são duas coisas que o meu eu adolescente jamais imaginou ser possível porque meus pais são muito religiosos. O medo sempre foi um sentimento muito presente na minha vida. Medo da rejeição, de ser expulso de casa, de fazer a escolha errada, de fracassar, de ser infeliz. Óbvio que pra chegar até aqui não foi fácil. Passos pequenos, muito diálogo e diversos desentendimentos. Hoje eu ainda tenho muitos medos, menos o de ser quem eu realmente sou."
Marina Monteiro
"Toda pessoa tem o direito de viver com integridade tanto na esfera privada, quanto na pública. Para pessoas LGBTQIA+ essa integridade ainda não é garantida com naturalidade, nem na esfera privada, quem dirá na pública. É preciso seguir lutando, porque poder viver quem se é sem medo, sem precisar abdicar de nenhuma parte, sem precisar medir palavras e gestos, independente o contexto, é libertador e faz com que a pessoa se sinta confortável consigo mesma no mundo. Embora a gente ainda siga o resto da vida saindo do "armário" a cada nova situação ou contexto da vida, lembro que quando saí daquele armário maior e assumi pra mim mesma que tudo bem ser quem eu era, bancando isso em relação às pessoas a minha volta, foi um alívio muito grande, uma sensação de peso saindo das costas e um sentimento de encaixe em mim mesma. Hoje em dia ando de mãos dadas, beijo minha namorada na rua e tento usar o espaço público da rua como espaço político que é, reafirmando a minha e as nossas existências nos gestos mais simples."
Diane Dias
"Sair do armário me permitiu ser quem eu sou de verdade. Como bissexual, vivi um processo de aceitação de muitos anos, escondida atrás do véu da heterossexualidade compulsória. Entender e aceitar que eu poderia também amar mulheres foi um processo que durou quase 10 anos. Perdi muito tempo da minha vida sendo refém da heteronormatividade e romper com essa amarra me ajudou no processo de auto-conhecimento que julgo essencial para a evolução. Sair do armário é sinônimo de ser livre: beijar, transar e amar quem eu quiser sem ter que me justificar. Sair do armário possibilitou uma troca e uma cumplicidade ainda maior com os meus amigos LGBTs e me colocou para ocupar um espaço numa luta que, afinal de contas também é minha, porque o B da sigla também existe e resiste."
Erika Rodrigues
"Pra mim, sair do armário foi aceitar quem eu sou, me reconhecer e me amar mais. Isso nem sempre é fácil, principalmente quando se é uma mulher negra numa sociedade que objetifica, hipersexualiza nossos corpos e impõe o amor como privilégio branco. Mas quando acontece, a gente percebe que não tem mais volta, que nada detém esse sentimento de liberdade. E é a partir dele que a gente se permite viver, amar e sermos quem somos de verdade. Nem sempre é fácil, na maioria das vezes enfrentamos muitas coisas ruins, mas ainda sim, vale a pena."
Germano Marques
"Eu nunca tive medo de não ter a aceitação da minha família, já tinha tios gays e eram todos aceitos e amados. Meu problema sempre foram as pessoas de fora. Enquanto vivia no armário por medo dessas pessoas, elas perceberam minha insegurança e me atacaram de todas as formas possíveis se utilizando dela. Até que decidi dar um basta nessa situação e me assumir, mostrar pro mundo quem eu era, o que eu era e que ninguém mais me derrubaria por essa questão, jamais. Depois que saí do armário posso dizer que vivo uma vida tranquila, sem o sentimento de culpa por esconder algo. E essa segurança do que eu sou serve como um escudo que me protege de qualquer tentativa banal de me diminuir por conta da minha sexualidade."
Gustavo Ramos
"Eu escrevi e apaguei algumas vezes o que iria dizer aqui. Acho que isso quer dizer alguma coisa. Quer dizer que, quando me assumi, passei a viver para além de existir, assim, como eu sou. Tem aquela letra do Caetano que diz: 'respeito muito as minhas lágrimas, mas ainda mais minha risada', é isso."
Caio Baptista
"Não há nada que te prepare pro quão livre você vai se sentir ao sair do armário. Ao mesmo tempo, só nos sabemos quais pedras a gente enfrenta no caminho. Viver fora do armário é o resgate do eu mais poderoso que uma pessoa pode fazer, é único e inesquecível. Sair do armário é romper com qualquer dor, indiferença ou qualquer outro sentimento ruim que o mundo possa te fazer sentir."
Lucas Palomo
"Eu me assumi em 2017 e foi totalmente libertador. Sempre tive medo porque minha família é religiosa, mas me surpreendi com as reações, principalmente a da minha mãe. Desde que me assumi minha vida mudou totalmente. Pra mim, sair do armário foi um ato de me abrir para mim mesmo e para o que o mundo pode nos proporcionar. Tudo que tava travado na minha vida começou a andar automaticamente. Tenho orgulho de finalmente ter me encontrado nesse mundo enquanto LGBT+."
Jeferson Alencar
"Costumo refletir que minha vida se transformou em um passo anterior ao 'sair do armário'. Passei minha adolescência me sentindo diferente de todos colegas de escola, por exemplo, e apesar de naquele momento não me sentir atraído por nenhum garoto dali, eu sabia que era gay. Tentei de todos os modos silenciar isso, como deixar de ouvir músicas que eu adorava, mas eram classificadas como voltadas para o público feminino ou gay. Até mesmo me obrigar a pertencer a um universo que eu não me encaixava. Isso se prolongou até o início da minha vida adulta, quando deixei de sentir vergonha de quem eu era e passei a me orgulhar pelo homem que havia me tornado. Só aí tive força suficiente para sair do armário e desde então minha vida se tornou mais leve, menos quadrada. Às vezes penso sobre tudo que deixei de aproveitar, ou como poderia ter tido uma adolescência diferente, no entanto, também compreendo que libertar-se de certas amarras não são fáceis. É uma sensação de vitória."
Zara Cosenza de Faria
"Quase todos os dias eu acordo cedo, tomo um banho, me arrumo meio que na correria com aquela roupa sem muitos atrativos e vou para o trabalho. Um café rápido e estou pronta para horas de análises, planilhas, e-mails e reuniões. De noite chego, tomo um banho, eu e minha esposa jantamos, batemos um papo, vemos TV ou simplesmente passeio pela internet na tela do meu celular. Parece uma vida comum, nada de mais, a rotina do dia a dia não fosse por um imenso detalhe... Quando acordo, sou eu acordando; quando tomo um banho, penteio o meu cabelo ou coloco a roupa para o trabalho é o meu corpo que estou lavando, arrumando ou vestindo. Quando estou no trabalho é meu nome no crachá e no e-mail, as pessoas me chamam pelo meu nome e até os sapos do dia a dia tem um gosto menos amargo quando estão se dirigindo a mim. Estar fora do armário não é fácil, o mundo faz força pra você não sair de lá e gastar todas suas forças para ser só mais uma. Mas acreditem, a vida é muito curta para não viver de verdade e quanto mais o turbilhão da transição passa, mais você se pergunta porque não deu esse passo antes. Beijo a todos os meus irmãos e irmãs trans, espero vocês do outro lado do arco-íris."
Leandro Muniz
"O processo de me assumir para mim mesmo foi bem mais difícil, por medo de não ser aceito pelos amigos ou pela minha família. A partir disso o primeiro passo foi dado, que foi me aceitar e ver que não tinha problema nenhum em ser LGBT+. O segundo e mais complexo era a família, que sempre desconfiou. Minha mãe ouvia que eu só sabia escutar Rihanna, Britney e Lady Gaga. Apesar de gosto musical não definir sexualidade, era um ponto a ser considerado e o ápice pra ela foi quando pedi dinheiro para ir na "Born This Way Ball Tour". Ela perguntou na lata se eu era gay, e a resposta naquela época foi que não. Passado um tempo eu já não via mais necessidade em esconder isso porque eu acabava me privando e mentindo sobre vários assuntos sem necessidade. Rolaram umas fofocas sobre mim no bairro e eu tinha que me impor daquela vez, e não me esconder, porque não tinha nada errado comigo. Então me assumi pra todos e pra minha surpresa fui bem aceito. Até pelos meus avós super conservadores, de quem eu mais recebi apoio junto a minha mãe. Pro meu pai ainda é bem delicado, mas isso não atinge tanto mais ele hoje. O lucro disso tudo é que posso falar sobre esse assunto com minha família, tirar dúvidas sobre algo que eles não saibam e de quebra ainda levo minha mãe para festas e blocos LGBT+ com meus amigos gays."
João Patrocinio
"Eu praticamente eu me expulsei do armário. Eu já não aguentava mais viver de mentiras, até porque eu sou um péssimo mentidor. Então quando eu me vi fora do armário, me lembro que senti uma sensação imensa de liberdade, uma leveza nos meus ombros e uma expansão na minha consciência. Eu passei a viver num mundo novo, eu podia ser eu e tudo bem."
Kalu Cidad
"Eu me descobri lésbica com 13 anos, então me assumi cedo. Porém, voltei pro armário ao ir para igreja por todas as pressões sociais que a gente vive e a esperança de ser "curada". Saí definitivamente do armário em 2015, após entrar para a faculdade. Ali eu comecei a me sentir bem mais feliz e livre. Hoje, ser eu mesma é motivo de luta, mas também de felicidade. Poder viver ao lado da minha companheira como alguém comum e curtir a vida ao lado dela - o que é simples para muitos. mas pra gente é realização. Toda a lesbofobia que passei foi o que me fez sair de casa para trabalhar, estudar e conhecer mais mulheres como eu. Hoje possuo uma rede de muito amor e orgulho."
Leonardo Semensati
"Recordo-me de ser páscoa e finalmente ter tomado a decisão de falar para minha mãe que estava namorando. A sensação era diferente das outras vezes. Ah, claro! Devia ser porque dessa vez eu estava namorando um homem e jamais tinha conversado sobre sexualidade com ela, apesar de já ter levado outras namoradas para casa. E foi assim que saí do armário pela primeira vez. Digo primeira vez não me referindo que minha mãe tenha sido a primeira pessoa a saber do meu namoro, mas entendi que logo após esse fato eu me entreguei a outro armário. Meu raciocínio foi a seguinte: beijava meninas = hétero; beijava meninos e meninas = gay. Era bom viver o mundo Gay. Minha família me apoiava, meus amigos me apoiavam, namorei e terminei duas vezes e continuava me envolvendo com homens e também com mulheres. Mas aos poucos fui percebendo que a sigla 'G' não me contemplava como um todo. Assim que comecei a me relacionar também com garotos o rótulo 'G' foi tão 'imposto' a mim que aceitei de imediato. Ninguém queria saber como eu me relacionava, mas se me viu beijando um garoto, pela lógica, eu era gay. Não foi externamente que essa mudança se deu. Afinal, sempre fiquei com meninos e meninas. Mas sim de uma inquietude interna de quando acabava por falar 'sou gay'. Saí do segundo armário faz pouco tempo. Demorei pra entender que bissexualidade não é gostar 50% de homem e 50% de mulher. Tampouco é estar confuso ou ter uma resposta na ponta da língua quando te perguntam 'Mas qual você prefere?'. Agradeço por ter amigos incríveis do meu lado que me ajudaram a decifrar esse enigma de maneira tão leve e divertida. E assim, finalmente consegui expor que sou Bissexual. Um nó se desamarrou de minha garganta. A sensação de se entender perante si mesmo e perante os outros é de uma leveza que gostaria que todos experimentassem."
Tamara Innocente
"A vivência do meu corpo sempre esteve à margem de muitos questionamentos. Alguns sem respostas, outros no meio do caminho, outros questionamentos que nem a mim cabiam, mas que de alguma forma chegavam pra mim. Eu sempre mergulhei nesses questionamentos mas nunca tive noção do quanto essas respostas eram importantes pra mim. AS MINHAS RESPOSTAS. Quem teve que aceitar ou não sempre fui eu e eu aceitei viver plenamente a minha existência. Ser corpo livre por inteiro, dentro e fora, apenas livre de amarras equivocadas. Viver fora do armário... Armário não, closet! Gosto de pensar na minha sexualidade como algo grande, bonito, com as melhores roupas que eu gostaria de vestir e não vestia porque alguém um dia me convenceu que era errado! Até quando entendi que só quem tem que pensar algo, sou eu! Eu não volto PRO closet! Volto NO closet! VOLTO só pra trocar de roupa e sair bem gata pra trocar afeto com quem eu quiser e existir nesse mundão! Minha certeza trouxe muita coisa, mas hoje quero só lembrar das boas: conheci o lado lindo de muita gente entre minha família, amigos e pessoas por aí. Caminhei numa desconstrução com os mais velhos da mesma forma que um dia eles me ensinaram a ser eu mesma e encontrei o meu grande amor numa outra existência linda em corpo de uma mulher! Enfim, são tantas coisas, não vou me demorar... Só queria dizer que o lado bom de me entender pansexual foi entender que todas as existências são lindas! Inclusive a minha!"
Thamires Selvática
"Meu primeiro interesse por mulheres foi aos 7 anos e com 14 me assumi dentro de casa. Toda pessoa que se assume é alvo de preconceito e retaliações dentro e fora de casa, principalmente se a pessoa for negra e periférica. Não é um processo fácil. Hoje eu prefiro focar na conquista de me sentir livre para amar e ser amada da maneira que for melhor pra mim. Amar mulheres e ser amada por elas é uma realidade na minha vida."
Julia Senna
"Não existe nada mais importante pra mim do que poder viver com verdade cada detalhe da minha vida, amar quem eu amo genuinamente e sem culpa me permite estar inteira, aproveitando cada benefício das minhas relações. No dia que entendi que era lésbica senti vergonha e foram muitas barreiras até perceber o quanto era importante sair do armário e nunca mais voltar. Construí, com minha comunidade sapatão, uma rede de apoio e compreensão de amigas que entendem muito bem o que cada uma passa, o que considero um presente maravilhoso do universo. Formamos uma família forte com laços sólidos e é com muita felicidade que sei que estamos juntas, dividindo momentos de dor e alegria. Aprendo todos os dias como acolher e respeitar todas as pessoas da nossa comunidade e também outras minorias de voz política. Isso é necessário pois acredito que ainda há muita coisa precisa mudar. Por isso me comprometo, como muitos LGBTQs, a me politizar e exercer os aprendizados. Afinal, sei que é nosso caminho de melhoria na sociedade. Pode ser que esse movimento seja consequência de um sentimento de empatia muito forte, já que não queremos ver mais injustiças por aí. Somos diversos, porém, é notável entre meus amigos e amigas a criatividade, dedicação e intensidade que muitos de nós empenhamos nas funções ocupadas, o que é muito inspirador pra mim. Tenho muito orgulho de dizer que sou lésbica, fanchona, sapatão, entendida e por aí vai. Quero ser a referência que não tive para as pequenas que crescem, mas já se mostram tão corajosas e empoderadas. Vejo nas escolas jovens falando sobre a própria sexualidade abertamente, sem medo de se esconder, algo que jamais poderia imaginar quando estive lá. Quero continuar a ouvir nossas histórias, ler nossos livros, assistir nossos filmes e entender todos os dias como é bonito, revolucionário e incrível o amor de duas mulheres."