O que há dentro de um buraco negro é um mistério que ainda está longe de ser respondido. Como nada pode sair do buraco negro, é impossível vermos o que há dentro dele, portanto, nossa única maneira de ver o interior é por meio da teoria. Mas, às vezes, ao construir essas teorias, podemos errar quando se trata de estabelecer a cadeia de proposições matemáticas ou lógicas nas quais as teorias se baseiam. E isso é algo que pode ter acontecido até mesmo com o próprio Stephen Hawking.
Assim argumenta um artigo recente que foi publicado como rascunho nas plataformas ArXiv e Researchgate. O artigo poderia ter passado despercebido se não fosse pelo fato de ter sido assinado por um peso pesado da cosmologia, Roy Kerr.
O artigo questiona nada menos que a noção de que existem singularidades dentro de buracos negros. Ele faz isso falsificando um dos argumentos matemáticos a partir dos quais Roger Penrose e Stephen Hawking construíram seu teorema sobre a singularidade. Mas o que é a singularidade e quem é esse Kerr? Podemos responder a ambos mais ou menos ao mesmo tempo.
A ideia da existência de buracos negros é baseada na relatividade de Einstein e nas chamadas equações de campo de Einstein. A partir dessas equações, o físico alemão Karl Schwarzschild elaborou o que poderia ser considerado o modelo teórico mais simples de um buraco negro.
Nesse modelo, é possível distinguir duas partes: um horizonte de eventos que delimita o volume de espaço em que a atração gravitacional do buraco negro é tão grande que nem mesmo a luz consegue escapar; e uma singularidade, um ponto no espaço e no tempo em que a densidade é tal que a curvatura do espaço e do tempo se torna infinita.
Havia um problema: todos os corpos celestes, pelo menos em parte devido às interações gravitacionais, tendem a girar. Resolver as equações de campo de Einstein em estática era uma coisa, mas se você quisesse levar em conta o momento angular... ficava complicado. Tanto que demorou quase meio século para que fosse criado um modelo de buraco negro que levasse em conta essa rotação. Foi o próprio Kerr quem resolveu esse problema. O ano era 1963.
Embora os chamados buracos negros de Kerr tenham uma singularidade (uma singularidade em forma de anel, em vez de concentrada em um ponto), o matemático de 91 anos descartou o consenso atual de que os buracos negros têm singularidades em seus interiores como "fé, não ciência".
O contra-argumento é um argumento que faz isso questionando um dos argumentos que Penrose e Hawking apresentaram para defender a existência de singularidades. O argumento baseia-se no comprimento afim da luz. A luz não "envelhece" como qualquer coisa que se mova em velocidades próximas à da luz, mas o comprimento afim permitiu que os teóricos tivessem uma medida análoga de seu "ciclo de vida".
Partindo do fato de que esse comprimento afim era finito, Penrose e Hawking concluíram que o ponto em que a luz "terminava" não poderia ser outra coisa senão uma singularidade. Esse é um argumento que se manteve por mais de meio século e contra o qual Kerr rebateu em seu último artigo, provando, também matematicamente, que esse comprimento afim finito não implicava necessariamente a existência de uma singularidade.
Se Kerr estiver certo, Penrose e Hawking estariam errados em seu argumento sobre a existência de singularidades, mas isso significa que as singularidades não existem? Bem, não, não significa.Desmentir uma prova é uma coisa; desmentir uma hipótese é outra bem diferente. Como apontou a física e divulgadora Sabine Hossenfelder, uma prova pode estar errada sem que a conclusão deixe de ser correta.
Pode haver diferentes maneiras de chegar a essa hipótese, e esse é o caso das singularidades. Podemos começar lembrando que é a própria teoria da relatividade que nos convida a pensar que existem singularidades dentro de buracos negros, e o comprimento afim é apenas uma maneira de demonstrar isso matematicamente. Como explica Hossenfelder, não conhecemos nenhuma força ou razão pela qual a matéria poderia ser tão comprimida como causa da atração gravitacional a ponto de cumprir a previsão de Einstein.
O último ponto a ser lembrado que nos faz lembrar da física alemã tem a ver com o fato de que ainda não sabemos muito sobre física. O que achamos que sabemos sobre buracos negros baseia-se na relatividade e no que sabemos sobre gravidade, mas essa teoria ainda não foi combinada com o que sabemos sobre quântica, física de partículas e interações fundamentais em uma "teoria de tudo".
Para muitos físicos, os efeitos quânticos podem tornar o interior dos buracos negros muito diferente do que concebemos hoje. E eles poderiam até, hipoteticamente, ser a força que impede o surgimento da singularidade. Talvez essa teoria unificada seja nossa única passagem segura para um buraco negro. Teoricamente, é claro.