Quem nunca aguardou ansiosamente pelo fim de uma semana estressante para relaxar e comer aquele seu lanche favorito, com direito a sobremesa? É comum e até natural buscar conforto na comida. Por muito tempo, foi até mesmo uma estratégia de sobrevivência. Por outro lado, quando o hábito sai do limite, pode gerar grandes problemas para a pessoa, tanto no âmbito físico quanto emocional.
Essa é a realidade de quase 5% da população mundial que sofre com compulsão alimentar, de acordo com o Hospital Sírio-Libanês. Inclusive, celebridades como Demi Lovato e Camila Cabello já se abriram sobre sua relação compulsiva com a comida, mostrando que todes podem enfrentar o problema.
Nesta segunda-feira (11), comemoramos o Dia da Prevenção da Obesidade e, sendo a compulsão uma das causas para a condição, é importante entender o transtorno, saber identificá-lo e, principalmente, se livrar de preconceitos e noções erradas que ainda podemos ter.
Para nos ajudar nessa missão, conversamos com a nutricionista Paola Altheia, especialista em Transtornos Alimentares e criadora do Instagram @naosouexposicao, que conta com mais de 61,2 mil seguidores que acompanham posts do tema.
A condição, chamada de Transtorno da Compulsão Alimentar Periódica, está classificada no Manual Diagnóstico e Estatísticos de Transtornos Mentais como: "ingestão de um volume significativo de comida dentro de um intervalo relativamente curto - até duas horas - juntamente com a sensação de grande perda de controle. O diagnóstico se dá quando os episódios acontecem ao menos uma vez por semana, ao longo de três meses".
Ou seja, é fácil perceber que é um transtorno sério, que vai muito além de "morrer de vontade de comer um doce de vez em quando".
Todo mundo já exagerou em uma refeição e se sentiu cheio e desconfortável depois. A compulsão alimentar é mais do que isso, se referindo a um transtorno contínuo que pode ter sérias consequências. "O sintoma mais significativo é a sensação de não conseguir parar de comer, além da periodicidade [...] O problema surge quando os episódios de hiperfagia (consumir um volume muito grande de alimento) ocorrem com muita frequência. Nesse caso, é preciso estar alerta", afirma Paola Altheia.
Porém, esse diagnóstico pode ser complicado, principalmente porque vivemos em uma cultura que valoriza o emagrecimento e a dieta, colocando-os como sinônimo de saúde - o que está longe de ser verdade. Assim, qualquer pessoa que fuja de uma restrição alimentar tende a ser vista como uma comedora compulsiva, entretanto, o transtorno é bem mais complexo.
"A compulsão envolve a ingestão de uma quantidade descomunal de comida em um intervalo relativamente curto. As pessoas que têm compulsão sofrem grande desconforto após os episódios. O que acontece é que estamos em uma cultura que exalta a restrição e comportamento restritivo acaba sendo visto como algo normal. [...] Dessa forma, qualquer migalha a mais do que o esperado acaba sendo interpretado como compulsão. As pessoas acham que estão 'compulsivas' porque comeram um pão ou um doce. Não é assim que funciona", explica a profissional.
O transtorno da compulsão tem raízes emocionais consideráveis, podendo vir acompanhada de problemas de ansiedade e até mesmo outros transtornos alimentares - como bulimia, por exemplo. "A compulsão pode ter origens profundamente emocionais, pois são pessoas que têm crenças, pensamentos e sentimentos inadequados a respeito da alimentação. Muita gente aprende a regular o humor, se acalmar, comer por 'merecimento' e até buscar entorpecimento através da grande ingestão de certos alimentos - principalmente os gordurosos, muito doces ou muito salgados", afirma Paola Altheia.
Por isso, é comum ouvir que pessoas diagnosticadas com o transtorno comem como uma válvula de escape para um estresse grande ou para tentar preencher algum vazio emocional. Entretanto, o rápido conforto ocasionado pela comida é substituído por uma grande sensação de culpa - colocando a pessoa em um ciclo muito perigoso.
Além disso, o próprio hábito de viver em dietas restritivas é uma das causas para episódios de compulsão alimentar. "É um transtorno bastante comum entre pessoas que fazem ou fizeram dietas de forma crônica. A dinâmica, que oscila entre privação e exagero, pode levar a um quadro cíclico de compulsão", diz a nutricionista.
Reconhecidos os sintomas e a seriedade do transtorno, é preciso pensar no próximo passo: como tratá-lo? Vale começar dizendo que dietas e comentários como "é só fechar a boca" são muito prejudiciais, como explica Paola Altheia. "Lamentavelmente muitas pessoas ainda acham que compulsão alimentar se trata com dieta, inclusive profissionais de saúde. Isso é um verdadeiro tiro no pé. A prática de dietas restritivas literalmente alimenta o transtorno. E quanto mais angustiante for a dieta, pior será a compulsão. Deixar as dietas é uma lei para quem deseja tratar o transtorno. É o primeiro passo para organizar as coisas", aponta a nutricionista.
Por outro lado, se você conhece alguém que pode estar enfrentando esse problema, a primeira dica é ser empático e compreender o funcionamento do transtorno. "Na compulsão, a pessoa pode conhecer tudo o que deve fazer para melhorar, mas mesmo assim não conseguir mudar. Qualquer pessoa compulsiva sabe que precisaria 'fechar a boca', mas o transtorno envolve questões físicas, mentais, psicológicas e emocionais. O quadro é bem mais complexo do que se imagina", informa Paola.
Portanto, o tratamento deve vir com apoio profissional. Se a pessoa notar esses sintomas, é importante buscar ajuda de médicos psiquiatras, psicólogos e nutricionistas que tenham domínio da área. Existem várias soluções e formas de trabalhar o transtorno, por isso, vale lembrar que você não está sozinhe e que há solução para isso!