O último capítulo de "Travessia", exibido na última terça-feira (24), levantou polêmica - e, dessa vez, não foi pela atuação de Jade Picon, mas por um assunto bem sério. Guida, personagem de Alessandra Negrini, tem relacionamento abusivo com o ex, Moretti (Rodrigo Lombardi), sendo vítima de violência verbal e física.
As coisas chegaram ao ápice quando o empresário empurrou a irmã de Leonor (Vanessa Giácomo) contra a parede e fez graves ameaças: "Vou acabar com você". Portanto, "Travessia" tinha uma grande oportunidade de abordar uma das problemáticas mais graves em nosso país, a violência doméstica, que originou 31 mil denúncias só no 1º semestre de 2022, segundo a Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos.
Mas o que a novela de Gloria Perez optou por fazer? Sem marcas aparentes de violência, Guida belisca e empurra seu braço contra a parede, simulando uma agressão, que poderia muito bem ter acontecido. Dessa forma, a produção descredibiliza os relatos das vítimas, que já são constantemente duvidadas pela família e órgãos oficiais. Vem entender mais sobre o grande desserviço de "Travessia"!
Ainda no capítulo de terça-feira, Guida vai até a delegacia, onde podemos ver vários panfletos sobre a importância de denunciar a violência doméstica. Para a policial de plantão, ela não cita o enforcamento, mostrando as marcas forjadas no braço e relembrando ameaça do ex abusivo.
Essa cena, em um contexto que vítimas de violência quase sempre têm seu relato desmerecido, é muito prejudicial. De acordo com dados da Faculdade de Medicina da UFMG, crimes de agressão contra mulheres são um dos mais subnotificados, ou seja, os casos - que já são altos - têm índices ainda mais altos.
Parte disso é porque elas têm medo de abrirem um processo formal e ninguém acreditar nelas, o que pode, inclusive, enfurecer o agressor e piorar ainda mais a situação. Colocar uma cena, em que Guida forja agressão, ajuda a espalhar pelo público essa noção de que devemos sempre duvidar da vítima, já que pode ser uma mentira - o que está longe de ser a regra.
Nesse contexto, é fácil lembrar outras novelas que, há muitos anos, trataram do assunto com responsabilidade e quais foram as consequências positivas disso. Um dos títulos mais citados é "A Favorita", que foi exibida pela 1ª vez em 2008, e mostrou as agressões de Léo (Jackson Antunes) a sua esposa Catarina (Lilian Cabral). Além de provocar discussão, a Agência do Brasil aponta que, na época, a procura pela Central de Atendimento à Mulher subiu 32% em comparação ao ano anterior.
Outro exemplo bem sucedido foi entre Raquel (Helena Ranaldi) e Marcos (Dan Stulbach) em "Mulheres Apaixonadas", de 2003. No enredo, a personagem era vítima de agressões diárias e o homem a batia com uma raquete de tênis - algo que tocou e mobilizou bastante o público. A repercussão foi grande e a novela teve uma das maiores audiências da época na emissora.
A autora de "Travessia" comentou sobre a polêmica no Twitter, nesta quarta-feira (25) afirmando que a personagem, de fato, simulou uma agressão para incriminar o seu ex-marido. "Mas dessa vez, Guida simulou", disse Gloria Perez, mostrando parte do roteiro. Ela ainda diz que a personagem já foi vítima anteriormente, mas só dessa vez Moretti irá pagar.
A personagem de Alessandra Negrini promete ter alguns enredos importantes. Inclusive, em recente mudança no enredo, a doença que seria de Chiara (Jade Picon) passou para Guida. Agora, ex de Moretti irá sofrer com Síndrome de Münchausen, transtorno psicológico em que a pessoa forja sintomas de outras condições e chegam até mesmo a procurar tratamento, mesmo sabendo que não é necessário. A gente espera que a questão seja abordada com responsabilidade, diferente do que estamos vendo até então em "Travessia"!