Várias motivações impulsionaram essa decisão: reduzir a dependência do dólar, corrigir o alto percentual da população sem acesso bancário, tornar-se um centro de inovação tecnológica e facilitar o envio de dinheiro por emigrantes às suas famílias, as chamadas "remessas", que representam entre 20% e 25% do PIB do país.
Quase dois anos após essa iniciativa, a aposta enfrentou turbulências, uma queda significativa no valor do Bitcoin, crescentes incertezas para o futuro do país e dúvidas constantes.
A resposta do governo? Aumentar a aposta.
O anúncio foi feito no final do verão de 2021, pouco antes do início de uma grande queda em quase toda a indústria tecnológica, tanto em nível de bolsa quanto de capital de risco, afetando as criptomoedas. No dia do anúncio, um bitcoin valia cerca de 47.000 dólares, que logo depois subiu para quase 65.000. Agora vale 30.000 dólares.
El Salvador não apenas comprou Bitcoin no momento do anúncio, adquirindo 2.381 bitcoins por uma média de 43.300 dólares cada. Em junho de 2022, comprou mais 80 bitcoins a uma média de 19.000 dólares cada. E em outubro de 2022, Bukele anunciou que começaria a comprar um bitcoin por dia, independentemente de seu valor.
Apesar desses números, é difícil determinar com precisão quantos bitcoins o país possui devido à falta de transparência do governo sobre o uso de fundos públicos. Não existe um registro oficial destas quantidades nem uma instituição independente que as audite ou verifique.
As poucas informações compartilhadas desde então vieram de declarações à imprensa, como quando Alejandro Zelaya, ministro das Finanças, admitiu em junho de 2022 que venderam parte das reservas para financiar o Chivo Pets, um hospital veterinário.
Na época, quase um ano após a implementação do Bitcoin no país, pouco mais de dois milhões de salvadorenhos instalaram e configuraram sua Chivo Wallet, mas apenas 20% deles continuaram a usar além de aproveitar os 30 dólares oferecidos pelo governo, o equivalente a quase quatro dias de salário mínimo.
Esse bônus foi o grande atrativo de uma proposta que, ao longo dos meses, alcançou quatro milhões de usuários. Uma simples multiplicação mostra o custo desta medida: 120 milhões de dólares. O orçamento inicial era de 30 milhões, quatro vezes menos.
Segundo o Instituto Universitário de Opinião Pública de El Salvador, no final de 2022, apenas 24% da população tinha usado Bitcoin para compras ou pagamentos. 77% acreditavam que o governo não deveria continuar gastando dinheiro público em Bitcoin e 66% consideravam sua aprovação um fracasso. Apenas 3% da população sentiu que sua situação econômica melhorou desde então, enquanto a vasta maioria sentiu que permaneceu a mesma.
A segunda questão se refere a planos como os mencionados 30 milhões de dólares em bônus bitcoin (quatro vezes mais), outros 23 milhões para o programa "Criptofriendly" e outros 150 milhões para o fundo fiduciário do governo para auxiliar na adoção do Bitcoin, conforme relatado pelo jornal local El Faro.
Foi dito que essa medida seria a faísca para iniciativas semelhantes em outros países. Quase dois anos depois, apenas a República Centro-Africana seguiu a ideia de adotar o Bitcoin como moeda oficial, apenas para abandoná-la alguns meses depois.
Algumas semanas atrás, o projeto Volcano Energy foi apresentado, uma parceria público-privada com um orçamento inicial de 250 milhões de dólares (a injeção de capital chegará a 1 bilhão) para a criação dessa infraestrutura.
A fazenda de mineração, localizada no município de Metapan, usará energia eólica e solar para alcançar mais de 240 MW. O governo de El Salvador terá uma participação de 23% nas receitas, 27% irão para seus investidores privados, incluindo a Tether, e os 50% restantes serão reinvestidos em infraestrutura. Não foi esclarecido o modelo geral de propriedade.
Nesse ínterim, o governo salvadorenho encontrou motivos para se orgulhar de sua aposta. Por exemplo, quando o ministro Zelaya se gabou de ter pago um dos títulos pendentes, uma dívida de 800 milhões de dólares, mais juros.
Esses 800 milhões de dólares não podem ser atribuídos apenas à aposta em Bitcoin. Mesmo com um arredondamento muito generoso que atribua 3.000 bitcoins ao país, o ganho de cada moeda teria que ser superior a 260.000 dólares, um número que nem mesmo se aproxima de seu valor unitário. Embora as declarações à mídia tenham associado sua aposta a essa capacidade de pagar a dívida, é difícil ver a correlação entre elas.
Embora o governo tenha sugerido essa correlação como uma forma de refutar advertências anteriores sobre os riscos dessa aposta, o FMI reiterou sua opinião em fevereiro de 2023. Na época, aconselhou as autoridades salvadorenhas a "reconsiderar seus planos de aumentar a exposição do governo ao Bitcoin", explicando que os riscos não haviam se materializado até então devido ao "uso limitado" do Bitcoin, mas que o uso da criptomoeda poderia crescer dada sua condição de moeda legal e, nesse caso, realmente precisariam ser abordados.
No entanto, o FMI também destacou que a economia salvadorenha já havia se recuperado aos níveis pré-pandêmicos, com um crescimento real do PIB de 2,4%, acima de sua média histórica. No entanto, ressaltou que ainda é essencial maior transparência nas transações do governo com Bitcoin e sobre a situação financeira da Chivo Wallet.
Um mês depois, o FMI avaliou as políticas econômicas, financeiras e cambiais de El Salvador, mas em abril anunciou que as autoridades não autorizaram a publicação do relatório.
Hostos Rizik Lugo, diretor executivo da República Dominicana no Banco Centro-Americano de Integração Econômica, parabenizou Zelaya por ter conseguido pagar a dívida. A resposta do ministro foi: "Saudações, irmão".