A comunidade LGBTQIAP+ tem uma forte ligação com o mundo pop e, principalmente, com as divas - entendidas como cantoras nacionais e internacionais que conseguem se destacar na indústria. Britney Spears, Madonna, Lady Gaga, Taylor Swift, Beyoncé, Miley Cyrus... são muitas as artistas que conseguem conquistar uma legião de fãs que fazem parte da comunidade e levam felicidade para suas vidas ao representarem muito mais do que uma voz no microfone.
Discussões entre fandoms são constantes no Twitter, assim como a luta por vitórias em premiações e as cobiçadas primeiras posições nas paradas musicais e streamings. Um amor incondicional que faz pessoas viajarem quilômetros, passar noites acordados e também ajuda na criação de grandes amizades. Mas onde que começou tudo isso?
Lucas Felipe da Silva, em seu texto "A história dos LGBTQ+ ao lado das divas pop" para a revista Philos, citou várias cantoras que pavimentaram o caminho para essa cultura de divas que conhecemos hoje. Artistas marcantes, com personalidades fortes, que faziam bastante sucesso e realizavam apresentações icônicas nos seus shows já existiam desde Billie Holiday e Ella Fitzgerald até Maria Callas, Aretha Franklin e Tina Turner. Mas podemos dizer que tudo começou a mudar a partir de Cher, Donna Summer e, claro, Madonna.
Enquanto elas influenciaram bastante a sonoridade desse gênero nos anos 1970 e 1980, "Madonna foi decisiva ao nascer dentro desse ritmo e tentar quebrar diversos tabus conservadores dos Estados Unidos já no início de sua caminhada artística, coisa que também se tornou sinônimo das divas pop do futuro. O restante de sua carreira foi pautado em cima de assuntos considerados polêmicos como feminismo, sexo, homossexualidade e a crítica ao estilo de vida estadunidense", reflete Silva no texto.
Madonna não só se tornou a grande rainha do pop, como construiu um patamar quase que incomparável no que diz respeito ao seu pioneirismo em defender es indivídues queer. Nos anos 1980, quando a AIDS explodiu e muita desinformação foi criada associando a doença com essa comunidade, Madonna não teve medo de bater de frente com o conservadorismo e senso comum e defender a comunidade LGBTQIAP+ do preconceito.
A dona do "Material Girl" chegou a lançar o movimento Vogue ao mainstream, incluindo a comunidade negra e queer no videoclipe histórico da faixa que leva o mesmo nome. Depois dela, muitas chegaram quebrando barreiras e contestando valores e a moral conservadora.
Britney Spears beijando a rainha do pop no VMA 2003, rompendo a imagem do "sonho americano"; Katy Perry admitindo ter beijado uma garota em uma música mesmo com toda a sua criação no meio conservador; Lady Gaga lançando o hino de aceitação "Born This Way"; Miley Cyrus falando abertamente sobre sua sexualidade e se pendurando nua em uma bola de demolição... tudo isso sem contar a interseccionalidade das lutas, ou seja, como outras pautas foram abordadas pelas divas, como Beyoncé combatendo o racismo de forma potente em suas músicas e ações. Afinal, todo preconceito sofrido por um jovem queer é acentuado quando pensamos em outras formas de opressão que se acumulam.
Tudo isso ajudou a consolidar o mundo pop como é hoje. Não à toa, temos a quantidade de críticas de grupos conservadores, cristãos e preconceituosos à "música do mundo" e toda a cultura em torno desse mainstream. Onde a população LGBTQIAP+ se vê acolhida, é lugar passível de crítica aqueles que não aguentam algo que legitime suas vivências e seu movimento e dê ao povo queer razão de viver e lutar.
Mesmo que muitas artistas não prezem por abraçar essa luta de forma tão incisiva, as cantoras pop seguem sendo referenciadas pela comunidade LGBTQIAP+. É difícil definir o que veio primeiro, se foi a inspiração e identificação com o público feminino pela representação após tantos anos à margem ou se foi o apreço pela aliança na luta contra o preconceito. Ainda assim, a cultura de admirar vozes potentes que fazem apresentações grandiosas, esbanjam talento e têm histórias de vida que envolvem algum tipo de superação se manteve.
Como explica Wellthon Rafael Aguiar Leal na pesquisa "A construção das identidades dos homossexuais masculinos a partir do consumo das divas pop", "esse impacto das divas nos fãs também foi reparado no âmbito na identificação enquanto homem gay. Para algumes, as divas os permitiam deixar a sua identidade sexual explícita para as pessoas com quem conviviam".
"O consumo cultural dessas cantoras muitas vezes se tornava recurso para exercer uma feminilidade reprimida pelas normas sociais de gênero; imitar a diva era um recurso para performar uma feminilidade proibida para os homens, para agir como se tinha vontade. Essa performance, através do consumo cultural, acabava por quebrar normas de gênero e quebrando expectativas de uma heterossexualidade compulsória para es fãs. Ao passo que consumir a diva e sonhar agir de modo sensual como ela sugeriria um desejo sexual pelo mesmo sexo/gênero".