A cerimônia do Oscar 2022 deve acontecer no dia 27 de março do próximo ano e alguns fortes candidatos à estatueta dourada já estão sendo lançados. No entanto, com a proximidade do evento, também aparecem as grandes polêmicas que giram em torno daquela que é considerada a principal premiação de cinema do mundo. Mas, se o Oscar realmente tem esse destaque no cenário internacional, por que a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas costuma ignorar produções não estadunidenses e premiar quase que exclusivamente trabalhos norte-americanos?
A resposta para essa pergunta é bem complexa. Primeiro, é evidente que, por ser uma premiação com origem nos Estados Unidos, faz sentido que ela tenha uma história de exaltar os filmes locais. Afinal, não só a maior parte dos membros que compõem a Academia seriam estadunidenses, refletindo em um reconhecimento mais fácil em relação às questões socioculturais retratadas nas obras cinematográficas americanas; como também haveria um histórico de maior facilidade de acesso a produções nacionais.
Além disso, é necessário olhar para toda a história da indústria cultural estadunidense, que conseguiu impor um modelo de arte e entretenimento sobre todo o mundo, especialmente sobre países periféricos. E é evidente que uma das suas ferramentas para manter esse domínio é exaltar a própria produção, colocando seus trabalhos como modelos a serem seguidos e admirados por todo o mundo.
Mas, os tempos mudaram, e não estamos retidos a um mundo microscópico o qual acreditamos ser a própria realidade, como em "O Quarto de Jack", e nem em um grande espetáculo sintético que entendemos como a vida real, como em "O Show de Truman". As barreiras entre os países foram diminuindo cada vez mais, e a globalização tornou muito mais democrático o acesso a produções culturais - incluindo as fílmicas - de outros países.
Todavia, fato é que o Oscar parece ter congelado no tempo, da mesma forma que Steve Rogers (Chris Evans) em "Capitão América". Só que, ao contrário do último, há uma recusa na Academia em despertar do sono profundo. Parece até um grande paradoxo. Os membros precisam assistir uma grande quantidade de títulos todos os anos, mergulhando em novas e diferentes realidades. Ao mesmo tempo, não conseguem olhar para além de uma tela retangular. Como o diretor Boon Joon-Ho reforçou ao vencer o Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro por "Parasita" em 2020: "Quando vocês superarem a barreira de uma polegada das legendas, serão introduzidos a tantos outros filmes incríveis".
Para ter uma noção melhor da grande injustiça que estamos falando, "Parasita" fez um feito histórico no Oscar 2020. O longa se tornou o 1º filme de língua não inglesa a receber a estatueta dourada de Melhor Filme, o principal prêmio da noite. Isso só foi acontecer na 92º edição da premiação. E quantos títulos incríveis não mereciam ter batido essa marca antes do longa de Boon Joon-Ho?
Nem é preciso olhar tão atrás no histórico do Oscar. É só pegarmos para analisar a a edição de 2019, em que "Roma" era uma das obras favoritas a vencer o maior troféu da noite. O longa de Alfonso Cuarón foi eleito o melhor filme do ano pela crítica americana, assim como sua direção foi escolhida como a favorita. Mas isso não foi o suficiente para que a Academia reconhecesse devidamente a obra, concedendo a ela o prêmio de Melhor Filme.
No seu lugar, quem levou para a casa a estatueta mais importante da ocasião foi "Green Book: O Guia". O título é uma produção estadunidense que fala sobre a segregação racial no sul do país na década de 1960. Ele ainda havia sido alvo de grandes críticas, por além de contar uma história sobre racismo dirigida e protagonizada por pessoas brancas, a própria família do pianista negro retratado no filme não achou o longa de bom tom e sequer foi consultada sobre o projeto.
Assim como "Roma", foram vários os títulos de outros países que poderiam ter tido um maior reconhecimento no Oscar. Provando que, realmente, a premiação apresenta esse forte problema, é só reparar a lista de filmes que foram premiados nos maiores festivais de cinema do mundo, e mesmo assim foram esnobados pela Academia.
Só falando do Brasil, podemos citar "Bacurau", que ganhou o Prêmio do Júri na competição principal do Festival de Cannes; "Tropa de Elite", vencedor do Urso de Ouro, o maior prêmio do Festival de Cinema de Berlim; "Hoje Eu Quero Voltar Sozinho", que foi eleito o melhor título da mostra Panorama do Festival de Berlim pela crítica e ainda levou para casa o prêmio Teddy, voltado a produções com temática homossexual; e "Que Horas Ela Volta?", que venceu prêmios no Festival de Cinema de Berlim e também no Festival de Sundance.
Nenhum desses, no entanto, foi mencionado pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas nas edições em que estavam elegíveis.
E ao contrário do que muitos dizem, o Brasil tem um histórico de obras cinematográficas fenomenais. Desde as comédias que são sucesso de público, até longas com temáticas sociais, produções inovadoras, como as presentes no movimento cinematográfico do Cinema Novo, títulos do Cinema Marginal e filmes mais cults representam o melhor da nossa arte e merecem mais reconhecimento.
11 obras brasileiras já garantiram indicações ao Oscar. Frequentemente produções nacionais figuram na lista de melhores filmes do ano de muitos veículos estrangeiros, e chegam a ser cotados para o maior prêmio do cinema. Mas, devido principalmente a grande questão em torno da campanha dos títulos para concorrer a premiação, é difícil reunir recursos o suficiente para chamar a atenção dos membros votantes e conquistar o reconhecimento.
Mesmo com tudo isso, um futuro melhor pode estar vindo por aí. Em 2019, A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas anunciou algumas importantes mudanças nas regras da premiação. Uma delas foi a alteração do nome da categoria Melhor Filme Estrangeiro para Melhor Filme Internacional. Os executivos do Oscar revelaram que isso não mudaria os critérios da categoria, mas segundo eles: "Acreditamos que Filme Internacional representa melhor essa categoria e promove uma visão mais positiva e inclusiva".
Parece que a decisão foi tomada para abraçar de forma mais receptiva produções feitas fora dos Estados Unidos, diminuindo preconceito contra obras de outros países. A Academia ainda ressaltou a definição da categoria, para não deixar dúvidas. "Um filme internacional se define como um longa-metragem produzido fora dos Estados Unidos com um diálogo predominantemente não-inglês. Só será aceito um filme de cada país na seleção oficial."