Você pode até nunca ter assistido o "De Férias com o Ex Brasil", mas com certeza já ouviu falar. Todas as quintas-feiras, quando o programa vai ao ar na MTV, a produção fica entre os assuntos mais comentados do Twitter. Mesmo com machismo escancarado e a falta de diversidade do elenco escolhido para curtir férias em algum lugar paradisíaco do Brasil, o reality show é sucesso de audiência. Porém, nem o próprio público deixa de criticar o quão problemático o "De Férias" consegue ser. O Purebreak entrevistou ex-participantes que contaram como enxergam essas questões.
Hana Khalil participou da edição "Celebs", exibida em 2019, e chamou atenção quando foi anunciada como parte do elenco fixo. Ela ficou famosa após entrar no "BBB19", marcado pela vitória contraditória de Paula von Sperling. A Gaiola, grupo do qual Hana fez parte, também ficou conhecido por levantar vários debates no programa sobre racismo, machismo e até veganismo, causa pela qual a carioca já era conhecida nas redes sociais. Então, o que teria feito essa militante encarar um programa como o "De Férias com o Ex Brasil"?
A influenciadora não se arrepende de ter participado e diz que esse foi um dos melhores momentos da sua vida. Além disso, gosta de ver a sua participação como um contraponto à narrativa do reality. "O meu desafio não foi estar num lugar ou num programa que era machista. O programa em si não é machista, são as pessoas que participam dele e o contexto no qual elas se encontram. Então, o que eu pensei foi: 'eu preciso ocupar esse lugar pra mudar essa narrativa. Pra ter pelo menos uma contrapartida'", declarou.
Apesar de reconhecer que está dentro do padrão do programa, eram os ideais de Hana que batiam de frente com a atração. "Acho que essa é a magia de você ir para um reality show como o 'De Férias' e poder manifestar o que você pensa, de forma que isso influencie realmente e faça diferença na narrativa do programa e na vida dos participantes, sabe? Que possa ser a primeira influência na vida dessas pessoas e que também eduque quem assiste", completou.
É preciso buscar representatividade?
Os mais inflexíveis dirão que o "De Férias com o Ex Brasil" nem deveria existir, já que ele reforça um padrão de beleza, naturaliza situações abusivas e ainda peca na falta de diversidade do elenco. Nós queremos representatividade até nesse lugar? Bom, independente de qualquer crítica, o programa existe e é um sucesso de audiência. Uma pesquisa feita e divulgada pela plataforma SemRush, em 2019, mostrou que o "De Férias" foi mais buscado na internet do que o "The Voice Brasil", exibido pela Globo.
O estudo levou em conta apenas reality shows brasileiros e mostrou que o produto da MTV foi o quinto mais buscado, com 1,4 milhão de pesquisas. Já o "The Voice", que estava na sua oitava temporada, ficou em sexto, com 943 mil. Vale destacar que o "De Férias com o Ex Brasil" é exibido em um canal fechado e por isso o resultado da pesquisa surpreende.
Além disso, de acordo com as informações divulgadas na coluna do Flávio Ricco, do UOL, o episódio de estreia da sexta temporada atingiu a liderança nos targets 18-24 anos, 18-34 e 18-49 no ranking da TV paga, segundo o Kantar Ibope. Entre os jovens de 18 e 24, a atração só ficou atrás da TV Globo. No Twitter, a hashtag #ExNaMTV ficou em primeiro lugar no Trending Topics Mundial. No Brasil, quatro hashtags relacionadas à produção estiveram entre os cinco assuntos mais comentados: #AmeNoDFCEX, #ExNaMTV, #DeFeriasComOExBrasil e #DeFeriasJeri.
Participantes que se destacam no reality show acabam se tornando influenciadores de um público bem grande, como é o caso de Gabi Prado e Gui Aráujo, que contam com 2,8 e 2,6 milhões de seguidores no Instagram, respectivamente. Ou seja, não há dúvidas de que o programa está sendo bastante consumido. Será, então, que não deveríamos dar importância ao que está sendo transmitido?
Quantos negros por temporada?
Assim como acontece em filmes, séries e outros realities, o número de participantes negros no "De Férias com o Ex Brasil" também é bastante reduzido. Jéssica Marisol é a única da atual temporada - ela, inclusive, chegou a reclamar no Instagram que se sentiu apagada pela edição do programa. Sarah Fonseca, do quarto ano do programa, também foi a única negra da sua edição. Apesar de ter relatado que não sofreu discriminação, a influencer não esconde que gostaria de ver mais pretos e pretas curtindo umas férias pela MTV.
"Gostaria muito que a realidade de 'um só negro' mudasse da próxima temporada em diante. O programa precisa condizer com a realidade do nosso país. Eu desejo muito ver mais negros no 'De Férias com o Ex Brasil'. O programa mudou a minha vida, é uma grande oportunidade e eu quero ver outros negros tendo a mesma oportunidade que eu tive. Quero ver mais negros crescendo também", disse.
Passar pelo "De Férias" fez com que Sarah ganhasse mais visibilidade, aumentando o seu impacto enquanto influenciadora digital. E apesar de ainda ser minoria dentro desse mercado, a modelo luta diariamente para mudar essa estrutura. "Fico feliz pela oportunidade em estar ali e triste por ser a única. Mas sempre tento ver o lado positivo e me imaginar como uma corda que pode ser capaz de puxar outras pessoas pro mesmo local. Eu faço questão de indicar outros negros, falar sobre a negritude, racismo e demonstrar representatividade da melhor forma possível. Considero uma grande responsabilidade quando represento tanta gente que gostaria de certas oportunidades e luto diariamente pra que isso um dia mude. Não só falando nas redes sociais, mas também nos meus atos", comentou.
O início de um sonho
A sexta temporada do "De Férias com Ex Brasil" começou com um buzz enorme por conta da presença de Rafael Vieira, o primeiro homossexual da atração. Ao todo, a edição contou com quatro participantes gays e, apesar das denúncias de censura, foi a primeira vez que o reality da MTV mostrou homens se pegando. E mesmo sabendo que também houve um padrão na hora dessa escolha, Rafael acredita que o pontapé inicial para uma mudança já foi feito.
"Onde não há o exemplar de nenhuma letra, a partir do momento que passa ter, há sim um índice de diversidade. Mas é claro que, pra quem vive o movimento, para quem conhece e sabe as urgências da nossa causa, da nossa luta, a gente sabe que é só o início. Ainda precisa de muito mais", afirmou.
Considerando que o Brasil é um dos países que mais mata LGBTs no mundo, ver dois homens se beijando em um programa conhecido por ser "de hétero", não deixa de ser o início de algo. Afinal, esse tipo de situação nunca nem aconteceu no "Big Brother Brasil", que já conta com 20 edições. Mesmo assim, Rafa compreende que há um caminho longo pela frente.
"É um passo que eu considero importante pra TV, para MTV, mas que acho pequeno para nossa luta, para nossa causa e movimento. A diversidade que existe no 'De Férias com Ex', talvez, seja uma pequena porta de entrada para uma diversidade que precisa de muito mais ouvidos, muito mais olhos e muito mais atitude em prol dela", completou.