Um acontecimento abalou a casa do "BBB22" na última semana. O beijo de Eslovênia e Rodrigo fez com que Natália ficasse com as emoções à flor da pele. Muitos, na hora, entenderam aquilo como simples ciúmes. Mas Linn da Quebrada soube explicar que o sentimento despertado em sua amiga do grupo Pipoca é muito mais complexo do que "chorar por macho". Na verdade, a questão passa por toda a construção social do amor, que é muito menos romântica do que a gente acha.
"O amor é algo super novo, gente. O amor como a gente conhece, esse amor romântico, que é induzido pelas novelas e tudo mais. E ele vai se moldando socialmente", inicia Lina em seu discurso. O que ela está falando aqui é que nosso ideal de beleza e, consequentemente, para quem a gente direciona afeto está completamente relacionado com a sociedade e o tempo em que vivemos.
Bons exemplos disso são as culturas que abraçam a poligamia ou a não-monogamia, mostrando que existem diferentes formas de amar; e o padrão de beleza, que se transformou tanto ao longo dos séculos. Por exemplo, atualmente, a sociedade se interessa mais por corpos magros, ou corpos gordos? Então por qual deles será mais fácil nos atrairmos romanticamente?
Aprofundando sua fala, a dona de "A Lenda" continua: "Se a gente não discute o amor e ele continua nesse terreno do 'sagrado, do intocável', que ninguém fala... Como assim 'gosto não se discuto', a gente não percebe porque algumas pessoas, alguns corpos, são muito mais amados do que outros".
Isso significa que, a partir do momento em que a gente sacraliza o amor e colocamos ele em um pedestal místico e intocável, a gente não consegue entender, de fato, sua dimensão social. Não compreender o que é o amor e por quem é mais fácil nós nos apaixonarmos e de onde tudo isso surgiu impede a gente de poder mudar essa estrutura injusta e desigual.
A discussão que levou à Lina falar sobre essa condição social do amor partiu dos sentimentos despertados em Natália após ver Lucas, homem que passou diversos momentos ao seu lado, dando a entender que poderia rolar algo entre os dois, ficando com Eslovênia, uma mulher branca com quem a mineira não se dava bem.
É claro que essa situação despertou grandes gatilhos na modelo. Natália não só ficou chateada por ele ter flertado com ela e depois ficado com outra menina, como também pelo fato de ter sido alguém que Natália não gostava. Além disso, a questão em torno dessa situação também remete à solidão da mulher negra. Esse conceito muito usado hoje em dia serve para explicar de que forma as mulheres negras sofrem mais para encontrar amor do que pessoas brancas.
Além de, em muitos casos, mulheres negras experimentarem jornadas de trabalho exaustivas, tendo que trabalhar muito mais que pessoas brancas para receber salários ainda mais baixos, elas também sofrem com o padrão de beleza, que favorece mulheres brancas, magras, sem deficiência. E mesmo que acabem se relacionando com alguém, em vários casos as mulheres negras acabam sendo trocadas por brancas, ou acontece que homens ficam com elas no sigilo, mas não tem coragem para aceitá-las ao seu lado publicamente. Essa é apenas uma das formas que o racismo afeta no amor, e ele não é o único tipo de opressão que atua nisso.
O capacitismo, a gordofobia, a LGBTfobia - com destaque para a transfobia - também exercem grande peso na hora de indivíduos dessas minorias encontrarem amor. É como Linn da Quebrada falou: "Porque só somos estimulados a amar alguns corpos muito mais do que outros. Corpos gordos, corpos negros, corpos trans, corpos de pessoas com deficiência... A gente nem pensa nessas pessoas quando a gente pensa em amar alguém".
Ainda que não sejamos ensinados diretamente, na maior parte dos casos, a rejeitarmos amor para pessoas com deficiências, LGBTs, negras etc., no nosso imaginário social, esse indivíduos não são dignos desse sentimento. E isso acaba se refletindo nos nossos próprios desejos românticos.
"A gente não vê essas pessoas protagonizando filmes que falam sobre amor, vê?", provoca Linn. E esse questionamento é extremamente válido. A maior parte das comédias românticas, dramas e títulos que versam sobre o amor são estrelados por casais brancos heterossexuais, padrões e sem deficiência. Isso faz com que a gente entenda, inconscientemente, que essa é a única possibilidade de amar - o que não é o caso.
Então, antes de criticarmos a dor da Natália e de outros indivíduos de grupos minoritários que sofrem por amor, é importante refletirmos de onde vem tantos machucados. Em grande parte dos casos, eles podem ser resultados de atitudes que nós mesmos tomamos e precisamos mudar essa realidade. Afinal, amor não pode ser privilégio só de alguns.