São muitos os problemas enfrentados pela população negra em um país tão desigual e racista quanto o Brasil. Entre as várias dimensões desse preconceito, precisamos falar sobre aquela que age fortemente na fase jovem da vida de pessoas negras, afetando a autoestima dessus individues durante a adolescência. Não é mimimi e não é frescura. Saúde mental é importante e nós temos a responsabilidade de falar sobre isso o ano todo. Mas precisamos entender que não é um direito só de pessoas brancas.
Quando discutimos a importância da saúde mental para todes, é preciso que a gente faça um recorte de modo a sabermos que todes são esses. Para realmente combater doenças mentais e ajudar na qualidade de vida da população negra, é essencial que sejam reconhecidos os privilégios de pessoas brancas que não passam por dores e vivências que negras passam e também entender que o preconceito racial atua de uma maneira muito forte relacionado a tudo isso.
Durante o nosso crescimento, na vida escolar, no ciclo de amigues e com a família, é comum que tenhamos em quem nos espelhar e falar sobre inspirações com as pessoas mais próximas a nós. Mas, para quem é negre, essa é uma questão delicada. Isso porque com o padrão de beleza imposto para todes nós desde os tempos coloniais, firmou-se uma ideia de que o que é bonito e deve ser valorizado são corpos brancos, cabelos lisos e traços eurocêntricos.
Então, quando é imposto a pessoas negras que se espelhem em indivídues que são completamente diferentes delas, pode ser que gere uma frustração para essas pessoas e decepção com sua própria aparência. Por isso, é tão comum pessoas negras alisarem/terem alisado por tanto tempo o cabelo; ou então uma tentativa de embranquecer a identidade negra, quando nós optamos por usar termos como "morene" ou "mulate", sem querer usar a palavra preto, negro ou pardo, já que foi ensinado para nós (de várias maneiras) que é algo ruim e depreciativo.
Por isso mesmo que a população negra sofre pela falta de representatividade na mídia, na política e em todas as outras esferas sociais. Infelizmente, mesmo que 56% da população do Brasil seja composta por pessoas pretas ou pardas, é fácil contar nos dedos a quantidade de atores, modeles, polítiques ou pessoas que ocupem outros cargos altos na sociedade e que sejam negres. E quando a mídia opta por representar essa raça nas telas, é sempre em cargos subalternos ou posições marginalizadas. Você com certeza deve lembrar de algume empregade, mordomo ou motorista nas novelas; ou então traficantes, bandides, pessoas encarceradas.
Outro exemplo de representação da população negra nos filmes, séries e novelas se dá de forma hipersexualizada. Isso faz com que as pessoas negras não sejam referência de amor, mas sim apenas instrumento sexual. Como se sentir bem quando é isso que é dado como exemplo para elus?
Além disso, crianças e adolescentes podem proferir comentários bem cruéis, reproduzindo o racismo o qual foram ensinadas a perpetuar - ou melhor, não foram ensinadas a combater. Para algumes, pode ser que isso soe apenas como "brincadeira" ou "piada", mas não devemos opinar sobre uma dor que não é nossa. Também é importante a gente diferenciar o bullying de preconceito. Afinal, sofrer ofensas pode sim ser muito danoso para sua saúde mental e também para a autoestima. Mas quando falamos sobre racismo, estamos falando de um mecanismo de opressão que existe há séculos e serve para manter uma hierarquia que mantém a população branca em uma posição social acima da população negra.
E o racismo estrutural também age na forma de excluir pessoas negras e, consequentemente, deixá-las se sentindo sozinhas. A solidão de indivídues negres é algo que precisa ser discutido diariamente, porque, como dito, não é "apenas" bullying. Isso reflete toda uma estrutura social que foi criada para que a população negra se sinta excluída e marginalizada da sociedade. É como se o tempo todo dissessem que essas pessoas não pertencem a lugares que deveriam ser de todes. E mais do que deixar de excluir pessoas negras, precisamos pensar em incluí-las. Pois como Angela Davis mesmo falou: "Em uma sociedade racista, não basta não ser racista. Precisamos ser antirracistas".
Por fim, faz sentido que todas essas formas de discriminação afetem drasticamente a saúde mental de pessoas negras. E isso não é só uma questão de opinião. É o que os dados mostram. A cartilha "Óbitos por suicídio entre adolescentes e jovens negros 2012 a 2016", divulgada pelo Ministério da Saúde, mostrou que, ao analisar o grupo de pessoas brancas e pessoas negras percebeu-se que a cada 10 suicídios em adolescentes, seis ocorreram em negres e quatro em branques.
Fica evidente como o racismo afeta a saúde mental da população preta, fazendo com que ela seja mais suscetível a diversos problemas mentais e, consequentemente, a perda da própria vida. Por isso é tão importante entender que o preconceito faz com que a experiência da adolescência e de todas as outras etapas da vida sejam completamente diferentes de pessoas brancas. E a partir daí, precisamos urgentemente aprender formas de combater o racismo na nossa sociedade.