Veganismo negro: a chef de cozinha Thallita Flor explica como funciona esse movimento de inclusão
Publicado em 27 de novembro de 2019 às 01:10
Por Purebreak
Quando o assunto é veganismo, muita gente acha que esse movimento é elitista e para poucos. No entanto, a chef de cozinha Thallita Flor acredita que parar de comer carne e qualquer derivado de origem animal é algo que pode ser praticado por todos. Então, se você quiser entender mais sobre essa possibilidade, vem com o Purebreak.
Veganismo negro: a chef de cozinha Thallita Flor explica como parar de comer qualquer alimento de origem animal não é algo inacessível Veganismo negro: a chef de cozinha Thallita Flor explica como parar de comer qualquer alimento de origem animal não é algo inacessível© Reprodução
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Quando o assunto é veganismo, muita gente torce o nariz por acreditar que o movimento trata-se de algo elitista. Em uma país como o Brasil, onde pessoas brancas ganham mais do que pessoas negras, o veganismo também ganha uma cor predominante. Porém, para a chef de cozinha Thallita Flor, essa história já está com os dias contados. Dona do blog Meu Corpo Negro e uma das desenvolvedoras do Movimento Afro Vegano, ela acredita que refletir sobre aquilo que se come é um direito de todos. Na última semana da ação #ConscienciaNegraPRBK, vamos entender como o veganismo pode ser mais inclusivo.

Quando surgiu a ideia de produzir conteúdo sobre veganismo?

"Desde 2013, quando comecei a tentar ser vegana. Eu ainda não era, mas tinha um objetivo muito nítido que era o de causar o menor impacto de exploração aos animais humanos e não humanos e à natureza. Então criei o blog como incentivo pra mim mesma e pra outras pessoas também. Na época, o blog se chamava 'Sim, sou vegana', compartilhava receitas, depois senti a necessidade de falar sobre assuntos mais politizados, então o nome do blog passou a ser 'Sim, sou vegana e feminista preta', e hoje em dia, digo que finalmente me encontrei rs, o blog se chama 'Meu Corpo Negro' e representa de fato, tudo que sou nesse mundo."

Já percebeu o impacto positivo do seu trabalho na internet na vida de outras pessoas?

"Sim, sempre! Muita gente, mesmo, sempre me agradece por alguma coisa que eu fiz ou faço que a tocou de alguma forma, ou que a ajudou em algum processo. É muito bom saber que a minha militância realmente funciona. Tento desmistificar pras pessoas muitas questões, uma delas é a alimentação de uma pessoa preta. É possível comermos com qualidade, não compactuar com os impactos ambientais, exploração humana e não humana, e viver bem!"

Para você, qual é a importância de ter pessoas negras produzindo conteúdo na internet?

"Pode parecer clichê, mas não é: representatividade. Depois que comecei a falar sobre veganismo, muita coisa aconteceu, muitas portas foram se abrindo. Sempre escuto as pessoas dizerem que não tinham referências antes de me conhecerem. É óbvio que sempre existiu pretos veganos/vegetarianos, mas eu entendi que tinha um privilégio de comunicação, por conta do meu lado teatral e circense. Então eu podia ir além, podia fazer essa militância e 'botar mais a cara', me expor mais. Eu poderia apenas viver minha vida, mas eu sinto que seria egoísta, sabendo o tanto de coisa que posso fazer pela minha comunidade."

Muita gente passa pelo processo de se "descobrir negro". Aconteceu com você? Como foi?

"Com certeza! Como eu falei os mil nomes que o blog já teve, deu pra perceber que foi enegrecendo, né? Eu não me via como negra. Teve um determinado momento que aceitava a informação que pardo não era cor... Mas ao mesmo tempo não fazia nada a respeito. Quando meu cabelo caiu por conta da química, eu cortei ele todo e deixei a cabeça quase raspada com o pouco do cabelo natural que tinha. Foi aí que eu entendi que era negra. Doeu muito, porque todas as marcas que eu tinha ao longo de 18 anos foram se expondo, como se de alguma forma esse tempo todo eu tivesse literalmente cega. Entendi o meu lugar de mulher e o quanto isso me afetava, me declarava feminista. E depois disso, percebi que pra mim, falar sobre raça, como mulher preta, era mais empoderador do que falar sobre uma luta que abrangia mais mulheres brancas."

O que representa o Dia da Consciência Negra pra você?

"Pra mim é um dia de muitas frentes, né? É o dia pras crianças não esquecerem as histórias dos nossos antepassados e honrarem o porquê de termos um dia pra discutir sobre isso. É um dia pros movimentos negros discutirem entre si estratégias, conteúdos de formação... É um dia pra gente se reciclar, debater. Não é um dia pra gente ficar discutindo na internet com branco que fala que somos todos iguais e põe vídeo do Morgan Freeman. Essa pessoa não vai mudar, já a gente se fortalece."

Por que você acha que o veganismo ainda é visto como um movimento mais elitista e de pessoas brancas?

"Porque em geral, cuidar da saúde e do planeta é visto como atividade de pessoas brancas e ricas. Sendo que se analisarmos bem, o sentido de cuidado com a terra, a conexão com a natureza, esse conceito, é africano e indígena. Assim como cuidar do corpo e da saúde é uma tecnologia nossa também. Fomos tão colonizados com os hábitos de uma sociedade europeia ou obrigados a pensar que nossa cultura veio das necessidades de um povo escravizado, que agimos na maioria das vezes como um branco, ou como um escravo. Se a comunidade preta souber que o nutricídio mata mais preto que polícia, começa a abrir uma brecha nessa ideia de que movimentos contra exploração de animais humanos e não humanos é coisa de branco."

O que você acha que precisa mudar para o veganismo ser visto como um movimento mais inclusivo?

"O que precisa na verdade já está acontecendo, graças a Exu! São os pretos e pretas de periferia que tem essa visão de começar a espalhar por aí o que a gente pode fazer pelo mundo. Porque, quanto mais referências tivermos, mais prático fica entender que é inclusivo. É de fato por muitas vezes não é inclusivo. E isso não é particularidade do veganismo, no feminismo não me sentia incluída em muitos aspectos, assim como no movimento negro não me sinto incluída em muitas questões. Mas a partir do momento que você vê referência do que você quer, você faz as suas próprias escolhas. Eu consegui ver as referências no feminismo, e também vi as referências no movimento negro. Pra mim ficou mais forte a luta racial, por isso me afastei do feminismo, apesar de jamais diminuir feministas negras, porque sei da significância que elas têm. Assim como muita gente não se vê no veganismo por ter sido criado por brancos, mas entende que é uma luta digna. Por que não achar outro que te represente mais? E temos muitos irmãos que assim o fazem, não se consideram veganos, mas seguem a mesma proposta. Se criamos referências, tornamos o espaço inclusivo pra todos."

Como você explica a ideia do veganismo negro?

"Ajudei a criar a 5 anos atrás o Movimento Afro Vegano, coletivo que promove debates, eventos e circuitos pra fornecermos material pra nossa comunidade combater a exploração de animais humanos e não humanos. 'Ou nós se junta ou nós se extingue'. É nessa vibe que a gente cola junto nesse movimento. Se a gente não criar nossa própria comunidade, nunca vamos conseguir falar de África. Assim poderemos reivindicar nosso papel na proteção da nossa natureza."

Que dicas você daria para alguém que quer parar de consumir carne e outros de alimento de origem animal, mas acha que não possui condição financeira para isso?

"Me segue no Instagram! Porque é muita coisa que você precisa saber, pra poder desmitificar a ideia de que não tem dinheiro pra se alimentar bem e fazer o bem. Compara o preço do quilo do feijão e do quilo da carne, e já podemos começar a entender qual proteína está mais em conta! Não deixa a indústria enganar você, corre atrás de informação, que tem muita coisa bacana pra gente estudar."

Palavras-chave
Mundo Comportamento Opinião PRBK Diversidade Comida