Denis Villeneuve tem feito um interessante percurso como cineasta, migrando dos seus longas de suspense psicológico, como "Os Suspeitos" e "Sicario - Terra de Ninguém", para a ficção científica em "A Chegada" e "Blade Runner 2049". No seu mais novo projeto, "Duna", o diretor chega no ápice da sua produção para o mainstream, admitindo de cara que ele é um filme pop.
O elenco escolhido a dedo já entrega isso. Afinal, ter Timothée Chalamet e Zendaya - dois dos atores mais e talentosos de sua geração e muito queridos pelus jovens - já garante uma certa notoriedade. Além disso, o grupo de atores conta com nomes bem conhecidos, como Jason Momoa, Oscar Isaac, Rebecca Ferguson, Stellan Skarsgård, Javier Bardem, Dave Bautista, Josh Brolin e David Dastmalchian. Mesmo assim, em um mundo pós "Star Wars" e imerso em uma era de filmes de super-heróis, a missão de suprir as expectativas da adaptação de uma das principais obras literárias de ficção científica ainda era difícil. Mas Villeneuve conseguiu.
Em "Duna", Paul Atreides (Timothée Chalamet) é um jovem talentoso e brilhante que nasceu destinado à grandeza, para além do que consegue compreender. Com sua família, ele precisa viajar para Arrakis, um planeta árido e perigoso que retém a produção exclusiva de um dos recursos mais preciosos da galáxia, permitindo liberar o maior potencial da humanidade. Entre muitos dramas familiares, traições e uma boa aventura, Paul precisa seguir seu próprio caminho e levar adiante o legado dos Atreides.
Enquanto o povo de Caladan (planeta natal da família Atreides) e de outras partes do universo precisa lidar com a hostilidade do árido planeta Arrakis, o contraste com o conhecimento dos freemen (o povo nativo que vive no deserto) se faz drástico. E isso mostra mais do que um embate entre culturas. É toda uma reflexão acerca da capacidade humana de oprimir aqueles que são diferentes. E, para isso, os mecanismos são diversos. Desde a explícita exploração da força de trabalho freemen para a comercialização da especiaria nativa, até o menosprezo por sua cultura e a imposição de doutrinas religiosas das Bene Gesserit sobre suas filosofias.
Mas além disso, "Duna" toca no tema da questão ambiental, da luta por poder e também apresenta um mergulho em questões familiares comuns. É nesses momentos que o filme prova falar tanto do presente.
E para aqueles que esperavam atuações de peso por parte do elenco, pode ser que tenham se decepcionado um pouco pela ausência de Zendaya ao longo do filme. O resto do grupo de atores, todavia, excede as expectativas dos seus trabalhos. Timothée Chalamet - o grande destaque - balança por meio das altas emoções sentidas pelo protagonista enquanto transita entre a perda da inocência de um garoto e a necessidade de se tornar homem.
Mas a presença de Zendaya no longa foi, de fato, bem tímida. Suas poucas aparições mostram parte do seu talento com uma personagem tão misteriosa e sagaz. Mesmo assim, a expectativa criada em torno da sua presença na obra foi frustrada.
No entanto, a verdade é que no livro do qual o filme é baseado, Chani (Zendaya) só passa a ganhar destaque ao se aproximar da terceira parte da obra. Então, a tentativa de Villeneuve de inserir a jovem freemen na história desde os primeiros minutos do longa já mostra uma preocupação bem maior para com a personagem. A equipe mesmo já havia falado sobre sua pequena participação no projeto, mas tudo indica que na possível sequência a vencedora do Emmy ganhará mais destaque. O seu papel, nesse título, foi para dar uma direção aos acontecimentos vividos pelos Atreides, levando-os até o momento em que chegam ao fim do filme.
Chani é uma miragem. "Duna" é o caminho. A jornada de Paul Atreides no filme é toda voltada para a destruição do que conhecia como lar. É o momento em que o menino precisa se tornar homem. Se antes tudo era um grande treinamento para o futuro, ele agora se faz presente. Pode ser que essa seja a verdadeira confusão entre ambos os tempos que aparecem nas visões de Paul. Todo o longa é pensado para retratar esse contato com o novo mundo, enquanto o personagem principal se despede de tudo que achava conhecer.
Ainda não é a hora de aprendermos todas as coisas que precisamos sobre os freemen, e sim nos deliciarmos com o desconhecido, juntando as peças para montar o quebra-cabeça na tentativa de compreender toda uma raça que vive nas sombras do deserto de Arrakis. Pistas são deixadas ao longo de todo filme, mas é visível que o que podemos chamar de "primeira parte" de "Duna", é um gostinho do que podemos esperar conhecer sobre esse povo na possível sequência.
Focado menos em aprofundar a crítica ambiental presente no romance original, Villeneuve mostra as várias camadas dramáticas da sua própria visão sobre o clássico. Aqui, não é apresentada uma tentativa de adaptar literalmente o livro para um registro audiovisual, mas sim a criação de uma obra fundamentalmente cinematográfica a partir de um terreno comum. O cineasta não tem medo de arriscar ao mudar motivações, destinos de personagens e narrativas. Tudo em prol de uma excelente experiência cinematográfica. E isso faz com que até es leitores mais familiarizades com os títulos literários se surpreendam ao longo do filme. É tudo novo. Mesmo que a tradição se concilie com a inovação.
Villeneuve mergulha na mitologia de "Duna" de forma brilhante, colocando a si mesmo como Paul Atreides. Ele tem respeito por tudo que foi feito até então. No entanto, essa história é dele - e de mais ninguém.
Mas os créditos da obra se dão para além da incrível trama que discorre de forma coerente e em um ritmo cada vez mais intenso com o passar dos minutos assistidos. Com o auxilio do premiado Hans Zimmer, a trilha sonora de "Duna" ambienta os espectadores a uma sonoridade que referencia povos nativos, sem perder o tom distópico do longa, atingindo o ápice da tensão nos momentos de ação da obra. E Greig Frase ainda nos insere sob o ponto de vista de Paul Atreides para toda a montanha-russa de emoções pela qual passa o jovem na transição para - literalmente - um novo mundo.
Ainda que tenha uma pretensão épica e digna de blockbuster, os aspectos sensoriais e intimistas de "Duna" revelam que os conflitos familiares e a guerra por poder têm um cenário que age como personagem principal da história. O Sol se põe sob as águas de Caladan, simbolizando o tardar de toda uma era e o fim de sua relação com a água da forma que conheciam; os grãos de areia caem ligeiramente da mão de Paul enquanto ele enxerga o futuro e entende sua nova casa e seu destino.
Também podemos ver que a ligação do filme com "Star Wars" se dá para além de uma piada soltada pelo Duque Leto (Oscar Isaac) ao início do longa sobre seu sonho de ser piloto. Os altos e baixos familiares, assim como as reviravoltas trágicas dignas de um folhetim, são parte da alma de "Duna", e isso não se perde nem um pouco no título estrelado pelo indicado ao Oscar Timothée Chalamet.
Mais do que um grande épico da ficção científica em um futuro distópico, a obra de Villeneuve apresenta uma história sobre opressão, família e poder de forma bem filosófica. Ao contrário da falha tentativa de David Lynch em 1984 de tentar condensar a história de 620 páginas do clássico livro de mesmo nome em aproximadamente 2 horas de filme, o novo diretor nem chegou a acreditar nessa pretensão. Por isso mesmo, "Duna" termina com mais perguntas do que respostas, em uma aposta confiante da Warner Bros. e de Villeneuve para que uma sequência seja logo confirmada. Estaremos esperando ansioses por ela.