Os dias de Tehuli e Ébano começam cobertos de beijinhos, carícias e mensagens positivas. A mãe faz questão de dizer quanto ama o filho, de 8 anos, que retribui o carinho e ainda agradece pelo dia que está por vir. O desafio de educar uma criança negra hoje em dia requer resistência e bastante afeto. Mesmo com o racismo presente em nossa sociedade, elas amenizam as dores e trazem o olhar da vida que todos merecem: o da diversão, alegrias e do amor. Neste Dia das Mães, viemos então contar um pouco sobre como esse sentimento é vivido pelas mulheres e seus filhos negros, e nisso a Tehuli soube nos ajudar muito bem.
A niteroiense morou em Recife por nove anos, mas foi em Bangu, no Rio de Janeiro, que teve a alegria de ver o filho nascer, após 17h de trabalho de parto, aos 25 anos. Ébano não foi planejado e hoje em dia, apesar do pai estar mais presente, Tehuli considera sua trajetória como a de uma mãe solo. Infelizmente, ela não está sozinha. De acordo com o IBGE, 11,4 milhões de famílias são formadas por mães solteiras no Brasil, sendo que a grande maioria, 7,4 milhões, é composta por mulheres negras. Os dados são do estudo "Desigualdades sociais por cor ou raça no Brasil".
Apesar de todas as dificuldades, Tehuli, que hoje tem um negócio de alimentação saudável e presta serviços em eventos, contou com total apoio da família e se considera privilegiada por isso. Filha de uma Doutora em História da Educação, ela também destaca a oportunidade de poder acompanhar o crescimento do filho. "A maior parte das mulheres pretas que eu conheço estão deixando seus filhos com outras mulheres para que elas possam trabalhar. Isso é de uma dor e de uma covardia descomunal", desabafou.
Com pouca participação política de mulheres no Brasil, faltam ações de conscientização e acompanhamento para mulheres negras. Fora isso, o aborto seguro e legal ainda não é uma realidade no país. O nascimento de Ébano foi uma escolha para Tehuli, mas ela alerta que isso não é o que acontece sempre. "O sistema exclui as mulheres pretas do acesso à higiene menstrual, saúde mental, aos métodos contraceptivos e à educação sexual. É muita luta", nos contou a niteroiense.
Assumindo o desafio de educar uma criança preta, ela se atenta para as violências, policial e social, que atingem a comunidade. A mãe aconselha que o filho saia sempre bem vestido, usando tênis, para que não seja abordado. Na rua, Tehuli também diz que há preocupação: "Outra recomendação é não reagir de maneira violenta a ações violentas, seja por parte da polícia ou de grupos dominantes. O menino/homem preto carrega o alvo nas costas, o desafio é diário".
O cuidado se mostra necessário quando conferimos os dados. Oito a cada dez pessoas mortas pela polícia em 2019 no país eram negras, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2020, e 99% das vítimas eram homens. Mas a maternidade negra não se resume a isso. Precisamos citar, mas nunca limitar!
Orgulho e ternura para viver os dias
Além de começar os dias com muito afeto e declarações, Tehuli prepara o filho para que as notícias não virem motivo de dureza em sua vida: "O desafio é não torná-lo um homem traumatizado, apesar disso tudo. Ser firme, uma madeira de lei, mas sem perder a ternura", explica a mãe. Para isso, ela mantém rotinas de conversas bem humoradas, apresenta paisagens bonitas para o filho e ensina a importância do amor próprio. Segundo Tehuli, assim ele pode "acessar essas memória e se sentir bem, seguro e amado" quando estiver sozinho.
Sentimento de ancestralidade
Tarefa fácil não é, mas a mãe também resgata o sentimento de pertencimento no filho e transforma os simbolismos da negritude em sua vida. Ela explica que Ébano está no período de construção da autoestima e, para isso, eles contam também com a preparação de penteados diversos para tornar os cabelos do menino ainda mais bonitos.
Tehuli se arrisca com aqueles mais fáceis. Elas faz tranças soltas, variando o desenho das divisões e a espessuras dos trançados. Já sabemos que Ébano não precisará passar pela transição capilar, a menos que isso seja uma escolha. E eles não param por aí! Ás vezes, a mãe contrata trancistas para fazer os penteados mais elaborados, como a trança nagô, que é a queridinha de Ébano.
A dedicação nessa trajetória tem sua recompensa: "A maior alegria da minha vida é vê-lo olhar ao redor e sentir orgulho de si, da sua cor, da sua memória ancestral, de tudo que há de bom por vir", confessa Tehuli. A experiência que ela vive é compartilhada com milhões de outras mães pretas no país e fora dele também. A maternidade negra é linda, como Tehuli e Ébano nos mostraram, e merece ser lembrada como tal.