Kauê Vieira, editor do Hypeness, explica como o racismo estrutural reflete no mercado de trabalho
Publicado em 23 de novembro de 2019 às 19:11
Por Purebreak
Não dá pra falar sobre movimento negro no mês da #ConscienciaNegraPRBK sem tocar na pauta das oportunidades. O Purebreak conversou com Kauê Vieira, editor assistente do Hypeness, que, a partir de experiências pessoais, envidenciou as marcas de uma sociedade estruturalmente racista e desigual também (e principalmente!) no mercado de trabalho. Confira a entrevista completa!
Consciência Negra: Kauê Vieira fala sobre racismo estrutural e presença dos negros no mercado de trabalho Consciência Negra: Kauê Vieira fala sobre racismo estrutural e presença dos negros no mercado de trabalho© Facebook, Kauê Vieira
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No mês da #ConscienciaNegraPRBK, o Purebreak gostaria que você fizesse um exercício. Repare na sala de aula de escolas particulares, faculdades ou no seu ambiente de trabalho quantas e quem são as pessoas negras que estão nestes espaços. O racismo estrutural é uma realidade da nossa sociedade e só evidencia que as oportunidades não são iguais para todos. Elas têm classe, gênero e, principalmente, raça. Para abordar e compreender melhor os reflexos do racismo no mercado de trabalho, conversamos com o jornalista e Editor Assistente do site Hypeness, Kauê Vieira.

A partir de experiências pessoais, Kauê trouxe a questão à tona e deu o alerta: "A gente não resolve quatro séculos de escravidão sem encarar o racismo como uma problemática atual".

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Confira abaixo a entrevista completa!

Em primeiro lugar, você poderia compartilhar com o Purebreak um breve resumo da sua trajetória acadêmica?

"Me formei na Anhembi Morumbi de São Paulo. Antes da universidade, eu fiz minha formação em escolas públicas, tirando dois anos que estudei em escola particular. Eu me entendo enquanto jornalista desde os 11, 10 anos de idade (...). Pra resumir, o que me fez decidir ser jornalista foi o compromisso com a responsabilidade social, encarar a profissão como esse instrumento de mudança, sabe?!"

Flávia Oliveira, Catarina de Angola e outros jornalistas já deram diversas declarações sobre estar em redações majoritariamente brancas. Como é essa questão no Hypeness?

"Olha, eu sou muito fã da Flávia Oliveira, inclusive. Acho que a presença dela para nós negros que trabalhamos com comunicação é muito importante. O exemplo que ela dá, por ser uma jornalista negra, por falar de economia, por trabalhar na grande mídia. Esse depoimento dela eu acredito que seja algo comum na vida de todo jornalista negro. Eu não lembro de uma redação onde tivessem mais de duas pessoas negras além de mim. A inserção de profissionais negras ainda é muito pequena (...)."

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"Hoje na redação do Hypeness eu sou o único negro da equipe e agora vamos ter mais uma profissional negra. Vai dar uma equilíbrio maior para nossa equipe, que já é bem reduzida. Acho que esse é um compromisso que o Hypeness e todos os veículos de comunicação precisam assumir. Não é simplesmente se abrir pra diversidade. É uma questão de que não há como a gente conseguir mudanças sociais sem a inserção de pessoas negras nos espaços de poder, de formação de opinião. É preciso que os chefes, os editores, as pessoas que têm o poder de contratar profissionais percebam isso porque não adianta uma empresa se pautar pela diversidade e ela não aplicar a isso."

Consciência Negra: Kauê Vieira, do Hypeness, fala sobre o racismo nas redações jornalísticas © Facebook, Kauê Vieira

Uma comunicação antirracista segue sendo um desafio para os profissionais da área. Como repórter do Hypeness, você tem o costume de inserir a questão racial nas suas pautas?

"É inviável que a gente tenha uma cobertura antirracista se as pessoas negras estão excluídas do processo. Um repórter branco não vai ter condições de traduzir a realidade de uma pessoa negra. E esse é o caminho da diversidade porque um homem não consegue escrever da mesma forma do que uma mulher sobre questões relacionadas ao machismo. A comunicação antirracista, sim, é um desafio porque ela ainda não entendeu que o racismo é o maior desafio do Brasil, que os indicadores econômicos e sociais só vão se transformar quando o Brasil - e isso passa pela comunicação - compreender que a luta antirracista deve ser o principal objetivo da sociedade porque está tudo interligado."

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"A gente não resolve quatro séculos de escravidão sem encarar o racismo como uma problemática atual e fruto desse passado que a gente tem. (...) Eu ensino a questão racial em todo o meu trabalho, direta e indiretamente. Acho que falar sobre racismo não é só falar sobre violência. Quando falo de arte e dou espaço para a arte de uma pessoa negra, eu estou falando sobre racismo porque acredito que o jornalismo precisa inspirar. Eu quero que o meu leitor, e principalmente eu sendo uma pessoa negra, saia da minha matéria inspirado. Que ele entenda que o racismo existe, mas que ele também entenda que há, sim, espaço para a produção de cultura, que há sim espaço para existência dele (...)."

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Segundo o IBGE, 27,2% da população negra do país (mais da metade) trabalha no ramo de prestação de serviços. Além disso, apenas 4,4% da população negra e parda de São Paulo ocupa cargos de chefia. Isso dialoga muito com a questão da escolaridade e a colocação precoce dessa população no mercado de trabalho, geralmente, em áreas sem qualificação. Você viu isso na prática no momento em que estava se inserindo no mercado de trabalho? Se sim, pode dar um exemplo?

"Sim, inclusive, a falta de problematização é muito grande. Recentemente, o número de negros empreendedores ultrapassou o número de brancos pela primeira vez. E isso foi muito celebrado pelos veículos de comunicação, mas não foi feito uma análise sobre as condições desse empreendedorismo negro. Quem são os empreendedores negros? Como eles trabalham? Que tipo de empreendimento eles gerem em comparação com os brancos? Isso na minha vida foi sempre muito prejudicial."

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"Eu tenho formação acadêmica, então eu sempre consegui oportunidades de trabalho interessantes e participei de entrevistas. Ao mesmo tempo sei que perdi muitas oportunidades por ser uma pessoa negra, por estar sempre sendo avaliado por pessoas brancas. Nunca tive um chefe negro ou uma chefe negra. Sempre fui chefiado por pessoas brancas, a maioria dos meus colegas de trabalho são brancos. Isso está diretamente associado à escolaridade, às oportunidades. É impossível competir quando você está 100 anos atrasado por tudo. A gente precisa lidar com uma série de questões psicossociais, frutos do racismo. Antes da gente pensar em concorrer com alguém do mercado de trabalho, a gente precisa capacitar nossa autoestima, entender que a gente é capaz, que o nosso trabalho é relevante. Mas é muito difícil você ter essa ciência correndo sozinho, sendo a única pessoa negra no meio."

Palavras-chave
Mundo Comportamento Diversidade