Na próxima terça-feira (21) é o Dia Nacional da Luta da Pessoa Portadora de Deficiência, instaurado legalmente em 2005 no Brasil. A data vem com o propósito de conscientizar a população sobre os direitos de pessoas com deficiência - que, ainda de acordo com a lei, pode ser dividida em deficiência física, visual, auditiva, mental e múltipla. Estamos falando cada vez mais sobre isso e há preocupação por parte de arquitetes e engenheires em construir ambientes acessíveis, mas será que isso é o suficiente?
Além da acessibilidade ser uma obrigação legal dos espaços - que muitos ainda não respeitam - a garantia que a pessoa possa estar lá nem sempre significa que ela poderá participar como todas as outras sem deficiência. Para entender melhor a vivência e a realidade de indivíduos com deficiência, conversamos com Yamin Maia Mello, estudante de Psicologia, que teve a perna amputada e utiliza seu perfil no Instagram, @cariocaperneta, para falar sobre a sua rotina.
De acordo com a legislação brasileira, instituições devem levar em conta normas e critérios básicos para que pessoas com deficiência possam ser incluídas nos mais diversos espaços. Porém, essa ainda não é uma regra respeitada por todas, dificultando a vida de muitos. Yasmin cita, por exemplo, a falta de tapete tátil para deficientes visuais, além de escadas e rampas.
Outro ponto levantado por diversos grupos de pessoas com deficiência auditiva é a falta da Janela de Libras ou a inadequação do modelo à vivência desses indivíduos. A janela refere-se ao espaço, normalmente localizado no canto inferior direito, no qual um intérprete faz a tradução do conteúdo para a língua de sinais. Substituir a ferramenta por legendas em português, por exemplo, não é suficiente porque muitos surdos não foram alfabetizados nesta língua e sabem somente libras.
Além disso, mesmo que haja, de fato, a presença do intérprete, muitas Associações Estaduais de Surdos afirmam que a janela não é grande o suficiente - dificultando a visibilidade dos gestos e até mesmo das expressões faciais do intérprete. Esses pontos são essenciais para libras, podendo alterar o sentido de uma frase completamente.
Entretanto, até quando essas exigências são cumpridas, não há garantia de uma real inclusão, principalmente no que se refere ao acesso ao ensino. Como é o caso de estudantes com deficiência mental que conseguem acessar à sala de aula, mas não podem contar com a presença de um professor extra para um acompanhamento específico. "O aluno que não se adapta à estrutura física do ensino é convidado a se retirar, então tudo isso tem que ser levado em consideração. O acesso que demandamos não é só o acesso ao espaço, mas também ao conhecimento", afirma Mello.
Yasmin relembra uma vez em que uma professora, notando as faltas recorrentes da jovem - justificadas por atestado, pela dor crônica que sofre - sugeriu que a estudante adotasse o regime remoto para assistir às aulas. "A sugestão de que uma pessoa com deficiência deva sair do espaço de sala de aula para outro método como uma forma de trazer o ensino para mais próximo dela não é acessibilidade, não é inclusão. É uma forma excludente também", explica Yasmin que diz ainda ouvir termos extremamente pejorativos, como "aleijado" e "manco".
Uma grande dificuldade que pessoas com deficiência ainda passam é a de serem vistas como qualquer outra pessoa. Quando perguntada sobre a mensagem que queria passar para a população como um todo, Yasmin falou sobre a constante desumanização que ainda enfrentam. "Queria que todos entendessem que toda pessoa com deficiência é, em primeiro lugar, uma pessoa. Vamos ter amizades, relações amorosas, vamos sofrer, sentir raiva, vai ter gente com deficiência mau-caráter. Tudo o que pode afetar uma pessoa sem deficiência, pode afetar alguém com", afirma a jovem.
Pode parecer "óbvio", mas para Yasmin essa compreensão é essencial para nos desfazermos de alguns estereótipos e, inclusive, incentivar mais pessoas a buscarem sobre a realidade desse grupo e entender formas de ajudá-los. "Ao entenderem a gente como pessoas, fica muito mais fácil perceber que podemos - e devemos - estar em todos os espaços. E que é um papel de todo mundo lutar para que todas as pessoas possam frequentar todos os espaços, nas suas mais diferentes formas", aponta Mello.
Por fim, Yasmin Mello ressalta dois estereótipos, decorrentes dessa desumanização, que pessoas com deficiência ainda enfrentam: o do "pobre coitado" e o do "super-herói". "No primeiro, a pessoa é vista como um fardo, acometido por uma desgraça e totalmente incapaz e digna de pena devido à dependência", explica a jovem. Porém, focar na "superação" e na "força" das pessoas com deficiência - algo muito recorrente em épocas de Paralimpíadas, por exemplo - também não é legal.
"Na visão de 'super-herói', a pessoa com deficiência serve para dar força para pessoas sem deficiência. Porque agora ela vê alguém que ela julga estar em uma realidade pior do que a dela", afirma Yasmin. "Nos dois casos se tira a humanidade porque no primeiro é ignorado o fato da pessoa ter o corpo do jeito que é, logo atribuindo muitos valores negativos a ele. No segundo, tiram o direito da pessoa se cansar, ser falha e uma série de coisas tão humanas".
Mas, afinal, o que pessoas sem deficiência podem fazer sobre isso? Yasmin Mello não precisa pensar muito: "Pesquise mais sobre o assunto não porque é uma pessoa com deficiência ou tem um parente que é, mas só porque é uma pessoa, uma vida. A maior forma de nos ajudar é nos entendendo como indivíduos para, assim, lutarmos juntos por todas as questões que nos foram negadas - seja o direito de existir, o direito de sentir, o direito de estar", conclui a jovem.