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A luta antimanicomial pode ser definida como a batalha pelos direitos das pessoas que sofrem com alguma doença mental serem inseridas na sociedade. Os manicômios eram aquelas instituições nas quais doentes mentais eram mantides e medicades, sendo excluídes do convívio social e privades de suas liberdades. Em 2021, é um grande regresso ainda termos que reafirmar que saúde mental é importante e que pessoas com transtornos mentais não devem ser excluídas. Mas o óbvio precisa ser dito.
Então, a luta tem o objetivo de proibir a volta dos hospícios e tudo que eles significam. Além de isolarem es indivídues da sociedade, muitos eram caracterizados por tratamentos com medicamentos intensos e até castigos físicos. Atualmente, temos uma grande gama de terapias que podem ajudar pessoas que lidam com doenças mentais e nenhuma delas tem a violência como método.
O Movimento da Reforma Psiquiátrica teve início no final dos anos 1970, quando estava acontecendo o processo de redemocratização do Brasil. A partir daí, dois grandes eventos aconteceram em 1987 que marcaram o Movimento: o Encontro dos Trabalhadores da Saúde Mental, que aconteceu em Bauru (SP), e a I Conferência Nacional de Saúde Mental, em Brasília (DF).
O que estava em questão era o fim do modelo de tratamentos psicológicos voltados a hospitais psiquiátricos que frequentemente eram denunciados por violações aos direitos des doentes mentais. Diversas esferas da sociedade, como instituições acadêmicas, personalidades políticas e várias categorias de profissionais, levantavam o lema "por uma sociedade sem manicômios", a fim de buscar formas de procedimentos melhores para tratar pessoas com transtornos mentais.
O Movimento conseguiu fazer com que a Lei 10.216/2001 fosse implementada. Intitulada "Lei Paulo Delgado", ela trata da proteção dos direitos das pessoas com doenças mentais e redireciona o modelo de assistência para essa população. Isso deu ao Estado a responsabilidade no desenvolvimento da política de saúde mental no Brasil, o que contou com o fechamento dos manicômios e novas formas de serviços que incluíam es doentes mentais na sociedade, ao mesmo tempo que tratavam seus transtornos.
Um dos nomes mais importantes nessa luta é Nise da Silveira, uma média alagoana que foi uma das pioneiras nas críticas aos modelos terapêuticos daquele tempo, como os procedimentos envolvendo eletroconvulsoterapia, coma insulínico e psicocirurgias. Ao contrário de muites colegas contemporâneos, Nise defendia o tratamento de doenças mentais por meio do afeto, utilizando de pintura e modelagem para cuidar des pacientes. Além da presença de cães e gatos que estabeleciam vínculos afetivos com es doentes mentais.
Para responder essa pergunta, o Purebreak procurou a psicóloga Névia Rocha, que explicou sobre a problemática envolvendo essas instituições: "É preciso combater a ideia de que se deve isolar pessoas com transtornos mentais, esse isolamento que os manicômios trazem só aumenta o estigma e o preconceito a respeito da doença mental, além de potencializar possíveis abusos e negligências no tratamento des pacientes, agravando, inclusive, a condição deles".
Segundo Névia, isolar essas pessoas retiraria delas suas humanidades e não traria avanço algum no seu tratamento. Além disso, os manicômios ainda reforçariam a psicofobia. "Esse isolamento perpetua o estigma de que essas pessoas são potencialmente perigosas e faz com que o preconceito a respeito das questões de saúde mental aumentem cada vez mais. Elas deixam de ser tratadas com respeito e afeto e passam a ser encaradas com desconfiança, podendo passar por situações graves de violência física e psicológica justamente por se tornarem invisíveis para a sociedade".
E muitos dos hospícios eram utilizados, na verdade, para encarcerar grupos minoritários que "deveriam ser excluídos da sociedade". Isso incluiria negros, pessoas em situação de rua e membres da comunidade LGBTQIAP+. "Os manicômios eram usados como uma forma de se 'livrar' de minorias, de fazer com que estas não fossem vistas publicamente, apenas descartadas e trancafiadas, sendo expostas a todo tipo de humilhação e tortura sem nenhum propósito real, se valendo da fachada de um 'tratamento' para algo que nunca foi doença. Aqueles que discordavam das convicções religiosas e políticas, dos costumes sociais e da heteronormatividade acabavam tendo manicômios como destino", explicou a psicóloga.
Hoje em dia, já é sabido que existem diversas formas de procedimentos para tratar transtornos mentais que não exigem esse tipo de controle, violência e exclusão. Esses métodos mais humanizados são defendidos por boa parte des profissionais da Psicologia. "Pessoalmente, não acredito (na volta dos manicômios atualmente). É um modelo que facilita todo tipo de desumanização, abusos e morte por violência. Toda pessoa deve ter o direito à liberdade, sendo reinserida na família, no trabalho e na comunidade, podendo, assim, receber seu tratamento adequado sem abrir mão de seus direitos como indivídue, sem ser descriminade ou excluíde".