Enquanto o Brasil todo lamentava a perda precoce de Marília Mendonça na última sexta-feira (5), a falta de sensibilidade reinou em alguns. A cantora foi a brasileira mais ouvida no Spotify nos útimos anos e em sua breve carreira colecionou uma série de hits e sucessos, que levavam fãs de todo o país a lotarem seus shows. Porém, muitos jornalistas e internautas preferiram reduzir todas a conquistas de Marília Mendonça a perda de peso da cantora.
Além de um machismo escancarado, essa é mais uma prova de que o mundo não suporta pessoas gordas (principalmente mulheres). De tudo o que Marília fez, o destaque foi para a sua "briga contra a balança", como disse Gustavo Alonso, colunista da Folha de S. Paulo, em um artigo de opinião. Depois, o próprio veículo percebeu o absurdo e encheu o site com outros textos, de mulheres criticando este posicionamento e falando sobre gordofobia. Mas já era tarde demais...
Sem contar que Alonso não foi o único a destacar a "magreza recente" de Mendonça, a mesma cantora que acumula atualmente bilhões de ouvintes no Spotify e Youtube. Durante homenagem à sertaneja, Luciano Huck se lembrou da vez que Marília Mendonça, Maiara e Maraisa foram ao seu programa. "Na verdade, eram só metade das três no palco... Estavam as três magrinhas", disse o apresentador.
A verdade é que, diferente do que foi dito por Luciano Huck, as três das maiores cantoras do Brasil estavam por completo lá e o emagrecimento não é, e nem pode ser visto, como uma conquista ou algo necessariamente positivo. Isso é, na verdade, a busca pela saúde - que independe do número na balança.
Inclusive, a cultura da dieta e da restrição é um dos maiores gatilhos para a compulsão, que é o transtorno alimentar mais comum do mundo. Ver esse tipo de comportamento na televisão e internet não é apenas extremamente desrespeitoso com Marília, sua família, amigos e fãs, mas também perigoso para tantos jovens que ainda lutam para aceitar seu próprio corpo e peso.
O fato que nem a morte de uma mulher de 26 anos tira o foco de que ela já foi uma pessoa gorda é assustador. Nas redes, outros comentários absurdos como "que pena que ela perdeu tempo fazendo dieta", marcaram presença. Isso é uma mensagem clara de que, se você é uma mulher, não importa o que você fizer ou alcançar, o maior sucesso possível é ser magra. Só que as pessoas já estão cansadas disso e a gordofobia após a morte de Marília Mendonça foi definitivamente a gota d'água.
Como falamos, a grande vitória de Marília aos olhos do jornalista da Folha foi o emagrecimento. Este é o destaque dado na retrospectiva de uma carreira brilhante e meteórica. Por isso, não é de se surpreender que a pressão estética afeta mais as mulheres do que os homens. É claro que homens gordos também sofrem com a gordofobia, porém, conseguem ter um nome e uma carreira desatrelado de seu peso, o que nem sempre é verdade para as mulheres.
Veja Adele, por exemplo, uma das maiores vozes do mundo que constantemente é lembrada pelo seu emagrecimento. "Como a Adele está linda agora", alguns dizem. A verdade é que ela sempre foi, era apenas sua visão gordofóbica e limitada que não permitiu que você visse o óbvio.
O mesmo vale para qualquer característica física: perda e ganho de peso, mudança no cabelo, na pele, marcas naturais do envelhecimento são garantias de pautas nos maiores veículos do mundo quando o assunto são celebridades femininas. Por isso, é parte da lógica preconceituosa que a morte de Marília abra espaço para discussões fúteis e completamente desassociadas de seu terrível acidente.
Qual a mensagem que podemos ter desse trágico evento, seguido de uma sucessão de abordagens e matérias mal feitas? O mundo ainda reduz as mulheres ao seu corpo, mas isso não precisa continuar. A revolta dos fãs e leitores, de maneira geral, aos comentários gordofóbicos mostra que esse tipo de comportamento não é mais bem visto. A prova está no arrependimento da Folha, que logo publicou outros textos contrariando o colunista. Mas matérias como de Alonso nem deveriam ter ido ao ar, em primeiro lugar.
Sabemos que artigo de opinião não descreve o posicionamento do veículo, porém, sua fala em meio a um texto que deveria celebrar a carreira de Marília é inadmissível. Não tem absolutamente nenhum elogio ou frase positiva que o jornalista possa ter escrito que melhore o parágrafo em que diz que a cantora era uma "gordinha que brigava com a balança".
Nem mesmo com a morte Mendonça foi poupada da gordofobia, mas esperamos que sirva de lição para tantos jornalistas e influencers - em sua maioria, homens. Não importa se é para falar sobre a carreira, um novo show ou algo terrível como o falecimento - o peso e o corpo de ninguém é da sua conta.
O que podemos fazer é celebrar Marília, que teve uma grande carreira (que promete ainda alcançar grandes feitos) e que cuidava de sua saúde, provavelmente a fim de potencializar seu bem-estar e prolongar sua vida com seu filho. Marília Mendonça era e é um grande nome, que nunca será reduzido ao preconceito e à lógica misógina e gordofóbica.