Você sabia que algumas estudiosas não consideram que vivemos em uma sociedade patriarcal? Calma lá, não é bem o que você está pensando! O patriarcado é um sistema social que privilegia homens através das principais instituições que formam nossas relações - família, o trabalho, a religião, entre outros. Ele proporciona poder aos homens de se colocarem acima das mulheres e decidir sobre suas posições também. Como surgiu mais fortemente no ambiente familiar em períodos bem distantes, já dá para imaginar como era a situação: o "homem da família" tinha total poder sobre a mulher e suas filhas. Com algumas mudanças que foram conquistadas pela luta feminina, há pessoas que acreditam que hoje estamos presenciando os reflexos da sociedade patriarcal.
Mas isso não é um consenso! Também existem teóricas feministas que defendem a ideia de que até tivemos alguns avanços, no entanto, as principais estruturas que garantem a desigualdade de gênero e a demarcação de certos papéis destinados às mulheres - concentrados na vida doméstica - ainda estão bem presentes. A discussão é em torno da nomenclatura, como podemos observar. Mas fato é - e nisso os dois lados concordam - que as mulheres continuam tendo dificuldades na sociedade que os homens não possuem e que elas são oprimidas pela população masculina.
Para entender melhor esse processo e envolver o fator principal entre esses dois pontos de vista, vamos apresentar a evolução da sociedade patriarcal no decorrer da história e entender os reflexos para os dias atuais. Vem com o Purebreak!
Como uma coisa está totalmente ligada à outra, a sociedade patriarcal surge a partir da desigualdade de gênero presente principalmente nas famílias. Para datar o início disso tudo, a historiadora Gerda Lerner fez pesquisas juntando várias áreas do conhecimento - história, literatura, arqueologia e arte - e recorreu às antigas civilizações do Oriente Médio, como os egípcios, romanos e mesopotâmios. Ela já identifica relações sociais nesses ambientes que marcam os ideais patriarcais e, sabendo que não é um fator biológico, define que o fim da sociedade patriarcal é possível. Isso tudo está presente no livro "A Criação do Patriarcado", uma boa dica de leitura!
A investigação da escritora está de acordo com o que vemos em outras pesquisas também. Nas famílias da Roma Antiga os pais decidiam a vida de seus filhos e de suas mulheres, podendo até torná-los escravos se quisessem. Mas aqui é importante entender que não é a figura do pai que impera, mas a do homem. Os filhos meninos obedeciam ao homem mais velho da família, mas na sociedade tinham muito mais privilégios do que sua própria mãe. Esse modelo foi seguido na História Antiga e permaneceu na Idade Média.
O patriarcado continua presente, mesmo que tenha tomado novas formas. Mais à frente iremos abordar melhor os resultados na atualidade. A atenuação dessa forma de opressão ocorreu principalmente por conta da luta do movimento feminista, acumulando a conquista de direitos básicos à população feminina, que a colocou mais perto da posição social dos homens.
Um desses avanços foi o direito de trabalhar, que se deu de diferentes formas para os grupos de mulheres. Como já é bem discutido por teóricas feministas negras, a população que a define já estava exercendo os cargos domésticos herdados da escravidão, quando mulheres brancas lutavam pela inserção no mercado de trabalho. Com a I e II Guerra Mundial (1914 – 1918 e 1939 – 1945), os homens se ausentavam para servir o país e as mulheres assumiam seus lugares. Por isso e com a ajuda da revolução industrial, elas passaram a ocupar as fábricas.
Mas não era fácil, né? Além de receber menos e passar por situações precárias, elas ainda estavam sob domínio dos homens. No Brasil, apenas em 1962 as mulheres casadas puderam trabalhar sem pedir permissão aos maridos. Dá para acreditar? A história das mulheres no trabalho tem relação com o Dia Internacional da Mulher, escolhido em 1910, no II Congresso Internacional de Mulheres Socialistas, que aconteceu na Dinamarca, e impulsionado por diversas greves e acontecimentos históricos, como o grande incêndio na fábrica têxtil Triangle Shirtwaist Company, em Nova York, no ano de 1911.
Outro acontecimento importante foi a conquista do direito ao voto feminino, garantindo a participação na democracia e a ocupação de cargos políticos. No Brasil, isso começou com o Código Eleitoral Provisório de 1932, que declarou como eleitor "o cidadão maior de 21 anos, sem distinção de sexo", mas apenas as mulheres casadas com permissão do marido ou as viúvas e solteiras com renda própria - em todos os casos alfabetizadas - podiam votar ou se candidatar. Dois anos depois, as exigências foram retiradas, porém o voto feminino era considerado facultativo enquanto era obrigatório para os homens, o que só mudou em 1946.
São muitos os acontecimentos diários que podemos caracterizar como reflexos da sociedade patriarcal, até o simples fato de mulheres não se sentirem seguras para andar na rua sozinhas à noite. No entanto, de forma geral, podemos destacar a violência contra a mulher e a desigualdade no mercado de trabalho como aquelas que estruturalmente têm mais visibilidade e definem diversas situações na vida da população feminina.
1. A violência contra a mulher
Segundo o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, o Brasil registrou 105.821 denúncias de violência contra a mulher nas plataformas do Ligue 180 e do Disque 100, em 2020. Os números são alarmantes, mas não denunciam um problema novo. Infelizmente, as mulheres passam por situações de violência dentro e fora do ambiente familiar, mas principalmente em suas casas, onde o homem ainda ocupa lugar de poder.
A pandemia do novo coronavírus agravou a situação, embora a comparação com anos anteriores não seja possível. De acordo com o governo, houve uma mudança na metodologia: mais de uma denúncia pôde ser registrada em apenas um protocolo e, em contrapartida, cada denúncia pôde envolver mais de um crime ou violação, por exemplo.
Já os dados do Núcleo de Gênero e do Centro de Apoio Operacional Criminal (CAOCrim) do Ministério Público de São Paulo (MPSP), apontaram para um aumento de 30% nos casos de violência contra mulher após o início da quarentena. Em março de 2020, 2.500 medidas protetivas foram decretadas em caráter de urgência. O número chegou a 1.934 no mês anterior.
2. A desigualdade no mercado de trabalho
No mercado de trabalho, apesar de já ser mais fácil a inserção no século XXI, a desigualdade é marcante. A segunda edição do estudo "Estatísticas de gênero: indicadores sociais das mulheres no Brasil", feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) confirma isso. Das mulheres com 15 anos ou mais no Brasil, 54,5% faziam parte do mercado de trabalho em 2019, em comparação aos 73,7% dos homens da mesma faixa etária. A pesquisa levou em conta as pessoas que estão trabalhando ou procurando emprego.
A diferença salarial também é observada. No mesmo ano, a população feminina atuante na força de trabalho recebeu, em média, 77,7% do que foi transferido aos homens. Em cargos de maior importância o problema se agrava ainda mais: entre diretores e gerentes, o percentual foi de 61,9%; e entre os profissionais da ciência e intelectuais, o valor alcançado pelas mulheres representou 63,6% do rendimento da população masculina.
E, claro, a vida doméstica é um fator decisivo para dificultar a entrada das mulheres no ambiente de trabalho. Aquelas que têm filhos, mesmo quando não são mães solteiras, normalmente ficam com a maior parte da responsabilidade da criação. Ainda segundo o levantamento, 54,6% das mulheres entre 25 e 49 anos que possuem filhos - de até 3 anos de idade - estavam trabalhando em 2019. O número aumenta para as que não são mães: 67,2%. A tendência é justamente contrária quando falamos dos homens: entre os pais, 89,2% atuavam no mercado de trabalho, um número maior do que os 83,4% que não tinham filhos. A conta não parece fechar, né?
Quando falamos sobre violência contra as mulheres, não podemos deixar de citar os avanços que foram alcançados para que, ao menos, encontrássemos formas de denunciar, punir os agressores e dar apoio à vitima. Você deve se lembrar logo da Lei Maria da Penha, mas também tivemos a inclusão do feminicídio no crime de homicídio qualificado, o que fez com que as mortes ocasionadas pelo preconceito de gênero fossem identificadas.
1. Lei Maria da Penha
A lei foi sancionada em 2006 e atualizada em 2020, tendo surgido para estabelecer medidas protetivas às vítimas e endurecer a punição aos agressores. O nome foi inspirado em Maria da Penha, uma mulher que sofreu duas tentativas de homicídio pelo seu marido e ficou paraplégica por conta das violências sofridas. O agressor só foi preso cerca de 20 anos depois, o que deixou mais que evidente que a justiça brasileira não estava atenta para a proteção das mulheres.
A medida reativa está prescrita na Lei nº 11.340, que define como violência contra a mulher "qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial". Percebeu que não estamos falando só sobre agressão física. Isso porque a lei também traz definições para os tipos de violência, que podem ser de cinco formas:
- Violência física;
- Violência psicológica;
- Violência sexual;
- Violência patrimonial;
- Violência moral.
Para entender melhor o que cada uma traz, dê uma conferida na matéria do Purebreak sobre os 5 tipos de violência contra a mulher e se informe também sobre as formas de denunciar a prática.
2. Feminicídio
O feminicídio tem relação direta com a sociedade patriarcal, já que caracteriza um crime em que o homem sente que tem poder sobre o corpo da mulher e realiza atos com teor de crueldade - como a desfiguração e a agressão aos órgãos sexuais -, ocasionados por motivos de fúria sem explicações concretas. É mesmo difícil ser mulher na sociedade atual. Com crimes tão pesados, é fácil entender o medo que elas têm.
Mas, para mostrar que a justiça brasileira não tolera a violência contra a população feminina e está atenta a isso, o feminicídio foi integrado, em 2015, ao art. 121, § 2º do Código Penal. Assim, o ato passou a ser classificado como homicídio qualificado e também é considerado agora um crime hediondo - que é tratado de forma mais severa pela lei -, trazendo ainda a classificação do assassinato de mulheres, o que facilita a coleta de dados sobre como e quanto o machismo mata no Brasil. Veja como o crime está descrito na legislação:
"Homicídio qualificado
§ 2° Se o homicídio é cometido:
I – mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe;
II – por motivo fútil;
III – com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;
IV – à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido;
V – para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime:
Pena – reclusão, de doze a trinta anos.
Feminicídio (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)
VI – contra a mulher por razões da condição de sexo feminino:
VII – contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição:
Pena – reclusão, de doze a trinta anos.
§ 2º-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve:
I – violência doméstica e familiar;
II – menosprezo ou discriminação à condição de mulher
Houve também acrescimento do § 7º, referente às penas:
§ 7º – A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado:
I – durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto;
II – contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência;
III – na presença de descendente ou de ascendente da vítima"
Podemos observar que a sociedade patriarcal, do jeito mais tradicional como aquele da época em que os estudiosos apontam para seu surgimento, já evoluiu bastante. Mas seria uma mentira tamanha afirmar que nos livramos dele. As mulheres conquistaram o direito de trabalhar e votar, mas ainda enfrentam desigualdades no trabalho e sofrem com a violência, seja dentro ou fora de casa.
Todos sabemos que essas agressões ocorrem como fruto de uma sociedade em que os homens sempre tiveram poder sobre os corpos femininos e, para tentar frear os dados e punir os criminosos, foram feitas algumas alterações na legislação brasileira. Hoje temos a Lei Maria da Penha e o feminicídio, marcada como crime hediondo, justamente porque vivemos os reflexos de uma sociedade patriarcal.